LEMBRANÇAS DE LARÉ

Havia no flanco da montanha, em seu sentido norte, uma fazenda conhecida pelo nome Fazenda da Serra. A comunidade era composta de algumas casas, um grande curral e uma modesta venda. O dono da venda, conhecido por Francisco, também era o administrador da fazenda. Tinha muitos filhos, entre eles, a jovem Laré, por quem me apaixonei perdidamente. Tive tal sentimento, porém ela não soube. Minha paixão surgiu a partir de minhas idas com meu primo Benedito, que, a mando de seu irmão Sebastião e meu pai, íamos à venda duas vezes por semana comprar víveres e aguardente para os dois.

Laré foi a terceira jovem por quem me enamorei, nesta minha vida de peregrino, mas ela nem ficou sabendo. Trabalhava na venda e ao atender-nos no balcão era muito amável e atenciosa. Eu gostava de fazer compras lá com o Dito só para vê-la. Assim, mesmo tendo que andar oito quilômetros de ida e volta de onde morávamos até a venda, íamos contentes. Oh! Como gostaria de ter lhe confessado meu amor! Mas desafogava minhas mágoas nos poemas. Certamente não iríamos à venda de boa vontade, se não fosse para ver aquela jovem, de olhar meigo e fascinante sorriso.

Lembro-me de algumas idas nossas na venda, como uma que vou relatar: Marquei até a data: 23 de setembro de 1961

Ao chegarmos na modesta mercearia, ela nos perguntou com sua deliciosa voz, cem por cento feminina:

-Vieram buscar mais aguardente?

-Queremos mais algumas coisas – falei

-Hoje meu irmão mandou comprar macarrão, batata, cebola, farinha de trigo, de mandioca, um litro de vinho para meu tio Juvenal e se for possível levar também junto a... – falou Benedito querendo brincar com ela; ia dizer a balconista, mas acabrunhado e com medo de ofendê-la não completou a frase.

Na ânsia de receber sua atenção eu disse-lhe:

-Quero um doce de coco.

-Sorrindo ela falou:

-Pode ser eu? Dizem que sou um doce do coco!

-Oh!– És mui graciosa - falei.

-O que quer dizer: mui graciosa? – perguntou-me.

-Cheia de graça, ora! Seu sorriso, sua atenção, sua beleza, tudo é graça em você. Por isso és graciosa!

-Oh! Obrigado por tanta graça. Bem, o que mais vão levar?

-Já é o bastante. Precisamos repartir a mercadoria para não pesar muito para um só – diz Benedito .

-Querem que eu vá junto para ajudá-los?

-Puxa vida! Seria uma boa ação de tua parte – falei – mas de maneira nenhuma deixaremos você carregar algum peso.

-Sendo assim fico por aqui mesmo – disse Laré.

Ah! saudade! O tempo passou, após 48 anos eis que encontro Laré

Mas como desconhecidos, tanto eu para ela, como ela para mim; só me restou ter uma doce lembrança. Ela certamente nem isso teve. Oh! tempo. Por que você não volta atrás!