"A ignorância dá espetáculo"

Há aquelas situações em que se tem vontade intervir e tomar partido. São atitudes que desejamos ver recompensadas à altura e de maneira imediata dada a arrogância e falta de respeito com que são assumidas. Nesses momentos ainda que por curto período de tempo nos colocamos no lugar do outro para sentir-lhe a dor e a humilhação. Isso é ainda mais inquietante quando tais atitudes são tomadas em ambientes onde a polidez e a educação devem prevalecer.

Já estavam acomodados aguardando o início do concerto. Via-se, no entanto, num ou noutro lugar da platéia pessoas ainda chegando, alguns tentando identificar seu assento, outros, ainda, esgueirando-se no espaço exíguo entre as cadeiras. Do vozerio baixo ouvia-se comentários vagos que variavam desde a expectativa do concerto à desclassificação do Brasil na Copa, devidamente compensada, diga-se, pela altissonante derrota da Argentina.

No palco, além dos instrumentos e estantes com a pauta das músicas que seriam executadas, um homem aparecia a intervalos curtos ainda verificando microfones, regulando a altura de algum assento ou simplesmente passando apressado de um lado para o outro numa urgência calculada.

Numa fileira à minha frente um senhor de voz grave e ar compenetrado conversava com uma mulher a seu lado, esbanjando um grotesco conhecimento musical. Seus comentários podiam ser ouvidos até a terceira fila além do lugar onde estava sentado, pois falava num tom exibido de quem desejava ser percebido. Nesse momento uma mulher aproximou-se do casal e informou ao exaltado senhor que aquele lugar em que estava sentado era o dela. O homem se negou rispidamente a sair e com um “que” de superioridade tentou expor a senhora a uma situação humilhante de alguém que não sabia se portar num ambiente como aquele. A mulher numa voz baixa e educada desculpou-se e se retirou. Enquanto ela se afastava o homem comentou com voz arrogante e debochada: “A ignorância dá espetáculo.”

Instantes depois a senhora voltava, desta vez precedida por uma funcionária do teatro que, dirigindo-se àquele senhor solicitou que cedesse o lugar pois o dele ficava algumas fileiras atrás. Visivelmente contrariado o homem levantou-se com certa relutância, mas sem piadinhas tomou silenciosamente seu assento quatro fileiras para fundo do teatro. No meio da platéia uma voz zombeteira foi ouvida: “De fato, a ignorância dá espetáculo”.