SEXO FRÁGIL?

SEXO FRÁGIL?

Maria Teoro Ângelo

Nos dias de hoje as mulheres ocupam espaços nobres dentro da sociedade. Os homens, temerosos da força que a mulher é capaz de ter, sempre tentaram mantê-la em casa presa aos trabalhos do lar e sem chances de cultura. Assim, inculta e acomodada, não oferecia competição.

O que foi regra no passado veio se transformando em exceção e quase todas as mulheres procuram seu espaço, quer seja pelo dom da luta, quer seja pela necessidade urgente dos tempos modernos.

As estatísticas mostram que a maior parte dos lares é dirigida e sustentada por mulheres. Mesmo aquelas que possuem alto poder econômico se sentem desconfortáveis na posição de não fazer nada e inventam profissões; preenchem o tempo com cursos, trabalhos voluntários ou montam seus próprios negócios.

Na minha família as mulheres sempre trabalharam no sentido de cooperar com o orçamento doméstico. Nunca vi minhas avós e minha mãe dependerem do salário dos maridos. Eram até anacrônicas num tempo em que prevalecia o contrário. Assim, desde muito cedo intrigava-me a indolência e o comodismo das mulheres.

Lembro-me de que havia um casal. Gente rica, sem filhos. O homem, astuto comerciante, construíra um palacete nos fundos da loja. E lá aprisionava a mulher. Ela vivia do portão para dentro e nem a visão da rua lhe era permitida.

Eu, menina estudante,entrava na loja e qualquer desculpa valia para eu entrar na casa. Um recado inventado na hora, uma pergunta por fazer e lá ia eu sondar o mistério daquela prisão.Eles me aceitavam assim, sem nenhuma resistência e com muito carinho.

Sentia que ela estava me esperando. Gostava de conversar comigo e me oferecia sempre com um pedaço de bolo e leite gelado, que eu tanto apreciava. Contava-me seus segredos e eu, os fatos do mundo real, da vida lá fora da qual ela não podia participar.

Meus olhos infantis se maravilhavam com a riqueza e opulência daquela sala onde eu era recebida. As enormes janelas davam para a varanda que circundava a casa. O sofá de veludo vermelho, a cortina de contas, as cristaleiras com louças antigas, o porta- chapéu de cabides dourados...

Era ali que ela devia passar as tristes e longas tardes, remoendo o tédio e a insatisfação daquela vida vazia. Devia distraí-la algum pássaro que por ventura pousasse no peitoril da janela ou o farfalhar das folhagens do jardim.

Eu era uma forma de contato com o mundo. Ela ouvia sobre meus estudos e mostrava desejo de aprender mais, de falar corretamente. Aconselhei-lhe a leitura. Assim, com livros escondidos na pasta escolar, eu lhe levava cultura de contrabando.

Dizia- me que gostaria de ter podido estudar e que admirava quem sabia, quem falava corretamente. Na voz, o tom da amargura do tempo perdido e a ansiedade por saber que para ela não haveria chances.

Eu também gostava dela, da atenção que me dava, do quanto me fazia sentir importante, mas não invejava nada do que via. Nem o sofá de veludo vermelho, nem a cortina de contas cinzentas, nem a falta de compromisso com a vida.

Fora daquelas janelas e além dos galhos magros dos arbustos do jardim havia um mundo a ser conquistado. Não para ela que se curvara ante seu amo e senhor, mas para mim, que não faço outra coisa desde aquele tempo a não ser tentar, a cada dia, a satisfação do dever cumprido numa luta reservada aos fortes de espírito, em cujas legiões teimo em permanecer.