ALMOCO DE DOMINGO

ALMOÇO DE DOMINGO

Sou acordado ao romântico estalar de um raio.A casa pareceu-me tremer e meus pés encaixavam-se aos chinelos enquanto no vidro da janela diminutas pedrinhas de gêlo desejavam-me:Bom dia!...Ótimo domingo!...Com chuva de granizo e tudo o mais.

No relógio: 9:30 horas.

O hálito de colgagte fresh numa cara de gato abandonado conduziram-me à cozinha.Um cheiro de café invadia-me as narinas e a "Polaca",tôda produzida,pretendia ir à missa.

Estava bonita a danada!...Aquêle olhar esmeraldado,faiscante,percorria-me,porém,num silencioso inquérito:

-Andas aprontando alguma coisa,hein!...Ah!...Se eu descubro!...

Mentalmente lhe respondia com veemência:

-Logo Eeuuu!?...Imagina!...Isso é coisa desta sua cabeçinha loira que eu tanto admiro.Pensava com meus botões (supostos,já que eu usava uma camiseta naquêle exato momento)enquanto fitava aquêles olhos graúdos,perdidamente verdes e a mão que levava à boca a xícara de café,tomando cuidado para não borrar o batom que lhe delineava os lábios.

Àquela altura,no meu abandono de gato,já antevia-me às voltas com o "almoço de domingo".

Chovia à cântaros!...

Soa uma voz,clara,suave e determinada:

-Mudei de idéia.Não vou à missa hoje.

Abri um sorriso de gato com confortável teto.Um gato cheio de mordomias!(Ela faria o almoço e eu voltaria pra cama kkk...)

Sinto a delicadeza de uma mãozinha a roçar-me a nuca e um tom meio meloso de voz a dizer-me ao pé do ouvido:

-Você fará o almoço de hoje,né?!...Ando um tanto exausta e por isso voltarei a dormir.

Caio uma vez mais no meu abandono de gato.No entanto,devolvo-lhe um sorriso (frouxo feito um luar em noite nublada) e como resposta, um não menos frouxo:

-Sem problemas,meu bem! É claaaaro que eu faço.

Da minha xícara serpenteava um vapor desaforado,debochado,enquanto a esmeraldada recolhia-se para , sob o mesmo teto,entregar-se aos braços do cretino do Morfeu.

Como costuma-se dizer:O que não tem remédio,remediado está,encaro tudo numa boa.

Primeiramente ligo o rádio:"Godina Polska" (Hora Polonêsa).

Vou separando panelas e tudo o mais de que vou precisar,ao som de mazurcas,xotes,kolomeikas...Entrecortados pelas alegres manifestações da apresentadora.Entro em cena:

Aqui até poderia ser um plágio dos "almoços de domingo" da Maria Olimpia,não fossem os anos-luz que separam o meu modesto cardápio daquêles sofisticados por ela preparados.Estou às voltas com cebolas,legumes,batatas,cheiros verdes...(uma parafernália!)

Mudo de sintonia.Vou para uma rádio "FM".

Seu Geraldo,meu fiel companheiro,dando uma escapadela de seu esconderijo chega até à cozinha.Adentra no exato momento em que,juntos com as gatíssimas (serão ainda?) do Abba,esguelamo-nos em "Dancing Queen" (eu,num inglês

feito a machado e naquêle instante).

Meio doidão,raspo as cenouras acompanhando a música num rebolado que no mínimo pode parecer suspeito à quem tudo vê pelo ângulo do "certinho".O amigo,olha-me com uma cara desconfiada,dá meia volta e retira-se.Se cachorro falasse,certamente teria dito.

-Eu,Hein!!!...Nem pensar...(o coroa tá pirando!)

Dei uma maneirada mas continuei cantarolando e embalado com tudo o que ouvia na sequência.

Na panela,os torax galináceos inchavam-se,mergulhados num molho expesso.Atirei-lhes com menosprezo algumas rodelas de cenouras,uns cheiros verdes e botei a mão na massa.

Fiz uma torta de frango à minha moda.Dei a consistência à massa "tudo pelo rumo" como se diz popularmente.Se endurecia,tascava-lhe mais leite e água.Amolecida,juntava-lhe mais farinha e amido.Sobre aquela "coisa" juntei os torax desfiados,ervilhas,tomates,orégano,salsinha e o escambau...Depois de uns 30 minutos a "coisa" estava pronta,assada e cheirosa.Preparei alguns acompanhamentos,uns matinhos e legumes pra enganar a torcida,um vinhosinho básico e pus a mesa.

Morfeu,agarrado à "Polaca" não a liberava por nada dêsse mundo.Thiago,dormia o sono dos "quase justos" depois de noite inteira na balada.

Sentei-me à mesa com ares de gato com teto,curtindo agora Paul Mauriat em"Love is blue".Degustei o meu almoço de domingo

viajando em pensamentos pelos salões iluminados do clube polonês no auge dos anos 70,quando o amor era azul...Azul da cor do mar.

E que durmam essa "Tigrada" que agora vou ler as crônicas da minha amiga Maria Dilma que são maravilhosas.

A chuva continua a cair e a seleção de músicas orquestradas tá pegando pesado...

Quando a chuva passar,umas gotinhas de "Polo" me farão companhia numa longa caminhada.Até porque,ninguém é de ferro,né?