"Ser Avô" =Crônica sobre amor=

Às cinco e meia da manhã meu filho entra silenciosamente em meu quarto e, sem acender a luz, coloca meu netinho no berço. Depois sai com a esposa para o trabalho. Eles moram em Santos e trabalham em São Paulo e só voltarão a ver o filhinho mais ou menos às oito da noite.

Às sete ou sete e meia eu acordo e a primeira coisa que faço é dar uma olhada naquela carinha linda para começar bem o meu dia. A vontade é de acordá-lo para ficarmos juntos por mais tempo até que eu saia para meu trabalho, sem horário fixo e sem patrão, mas resisto e o deixo dormir até que acorde por conta própria. Ligo a babá eletrônica e espero com certa impaciência.

Meu mais recente amor, que completará oito meses no próximo dia seis, avisa que acordou dando um grito agudo ou simplesmente chorando por pura manha. Manha que dura apenas até que eu o pegue no colo e comecemos a conversar de homem pra homem. Encaro-o com cara fechada e pergunto, fingindo braveza: “Eu já não disse que não é pra fazer escândalo sem avisar?”

Ele sempre ri gostosamente, o que me faz pensar que já nasceu com senso de humor desenvolvido e por isso percebe logo que o vovô está brincando.

Mando que faça “cheirinho” e ele franze o narizinho várias vezes. Se mando que dê um tchau, um dos bracinhos gira um tanto quanto alucinadamente em todas as direções. Durante alguns dias chegou a dar estalinhos com a boca mandando beijinhos, mas depois esqueceu a gracinha que encantava. Bem, encantava a mim, à avó e aos pais, pelo menos.

Neste mês que ele passou a ficar direto aqui em casa, por conta de nossa empregada até as quatro da tarde e por minha conta das quatro às oito, tornei-me especialista em trocas de fraldas e decifração de choros. Agora distingo em segundos os choros, sempre rápidos, e sei quando é fome, quando é fralda lotada e quando é sono. O choro do sono é o mais demorado e sentido, levando-me a crer que o sono dói e machuca os olhinhos dele. Quanto mais sono, mais barulho. Mesmo com a “peti” (que rebatizei como “rolha de boca") enfiada na boquinha.

Não posso dizer que ele seja bom de garfo. É bom de colher. Enquanto manda pra dentro a papinha, concentra-se até a última colherada e não tolera qualquer atraso na entrega.

Barriga cheia, fralda trocada, banho tomado (que sempre o deixa com jeito de recém-polido), fica cheio de disposição para pular em meu colo, agarrar a haste de meus óculos, puxar uma das gatas pela orelha, tentar arrancar os pelos de meu peito ou de meus braços, “falar” pelos cotovelos ou simplesmente ficar bem quietinho com o rostinho encostado em minha mão espalmada, deixando-me cada vez mais bobo ao fitar aquele olharzinho maravilhoso, aquela carinha tão linda, aquela entrega total que só um bebê feliz e confiante tem.

A carinha de alegria que ele faz quando vê os pais chegando é de comover.

Ser pai é bom, mas ser avô é indescritível. É indescritível, mas não custa tentar...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 01/08/2010
Reeditado em 01/08/2010
Código do texto: T2412818
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