Dentro da Madrugada.

Jogado sozinho na cama, por inteiro acobertado, um sopro, uma fadiga, uma ânsia, um desespero, um vazio...

A morte a espreitar-me pela fresta da janela, obcecada por entrar, abraçar-me e subtrair-me o aquecimento corpóreo, paralisando, assim, minha circulação sanguínea, deixando-me ao léu das circunstâncias da natureza, às conseqüências da falência múltipla dos órgãos, à putrefação, ao fim deste composto químico que se chama...

Ó morte desonrosa, que nos rouba as melhores horas! As que ainda não vieram!

E mil indagações irrompem no momento final: por que eu? E agora? E tão jovem? Tantas coisas ainda por fazer! Tantas inacabadas! Tantos planos para o futuro! Que futuro? Por que eu, se nem estou preparado? Nem me deram tempo de trocar! De por uma roupa decente para lhe esperar! E minhas coisas, como ficarão? E os objetos que ninguém pode ver, minhas intimidades, minhas cuecas furadas? E tudo isso?

Afinal, não me propuseram nem ao menos uma partida de xadrez! E se eu por acaso vencesse? Não teria chance? Há chances contra a morte?

Por fim, entrarei inexoravelmente nesse curto processo de esquecimento que abarca a vida de todos os mortos não ilustres? Serei eu mais um? Vestirei o casaco de concreto?

E penso: o que falarão de mim após meu passamento? Fui boa pessoa? Deixei inimigos? Cultivei amigos? O que fiz por merecer ou desmerecer o que fui ou o que deixei de ser? Por acaso cuspirão em minha cova? Que diferença eu fiz?

Existirei por um lapso de tempo na memória de uns poucos. Após embarcarei no trem do esquecimento, como se nunca tivesse existido, como se tudo não passasse de mais um sonho cujo conteúdo na oportunidade não recordarão mais, e que talvez nunca mais aflore na lembrança de quem quer que seja, alguém que me viu passar...

Contudo, enquanto o fatídico momento não vier, que Deus tenha piedade de nós!

Cristiano Covas, 29.05.05.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 02/08/2010
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