Em Busca da Infância Perdida.
Relendo críticas sobre obras de Ítalo Calvino chego à mesma conclusão que chegou o médico / personagem de A Consciência de Zeno, de ítalo Svevo, quando resolveu ministrar ao paciente/ personagem que escrevesse relatos de sua própria vida para tentar se livrar do vício de fumar. Achei interessante e desde então, ou seja, desde que comecei a fumar, iniciei também meu hábito de escrever sobre minha própria vida e tudo que a circunda, como realidade única. Porém uma dúvida me acompanha nesta empreitada: não sei se meus escritos se deram para que parasse de fumar ou se fumo para escrever e vice-versa.
São situações Calvinistas:
Menina da dor marca para segunda feira o dia em que não sentirá mais dor!
Um soldado tímido tenta seduzir uma viúva durante uma viagem de trem;
Uma respeitável senhora vive o drama de perder a parte de baixo de seu maiô no mar quando a praia está cheia;
Um leitor oscila entre a realidade densa da ficção e a fantasia erótica da realidade;
Um míope enfrenta as ambigüidades do uso de óculos;
Uma esposa descobre o adultério e o mundo no botequim da esquina;
Uma mulher sem pernas que se arrasta num banquinho;
Um país onde os chefes políticos são decapitados ao final de seu mandato;
Uma freira deitada numa maca, com a expressão de quem "se afoga no fundo de um poço;
O camponês que foi condecorado porque, na guerra, matou os inimigos da pátria, mas recebeu a pena de morte porque, na paz, matou o inimigo da aldeia;
Homem que nunca soube dar laço no sapato;
Uma conversa com o hilariante Homem de Neandertal;
Um arquivo em que estão fichados todos os habitantes do planeta;
Um corretor de seguros que se transforma em serial killer;
Os conjurados que matam o imperador César num dia ensolarado, enquanto os romanos fazem piquenique no campo;
Um pai alimenta com amêndoas o filho deficiente;
Um bandido e o sargento que o procura resolvem passar a noite na cama da mesma prostituta;
Um bando de antropóides vagando na pré-história;
Não seria o comunismo também uma espécie de religião? Até que ponto é mesmo democrático obrigar todos a votar? O que determina a normalidade de um cidadão?
Delirantes, cômico-trágicas, por vezes apenas trágicas, botam o leitor numa máquina do tempo, fantástica, transportando-o aos maravilhosos recantos do tempo aventuresco, sombrio, transpirador e inspirador, senão “pirador”, tenebroso, descobridor e gargalhador dos tempos da meninice inconseqüente. É um caminho não em direção ao passado, mas em busca da infância perdida...
Cristiano Covas, 30.06.08.