A Gaveta

A GAVETA

Num dia qualquer, daqueles de faxina geral, remexendo em guardados lá no fundo de uma gaveta, em um móvel antigo, lembrança de meu avô, lá estava ele.

- Achei! Achei um álbum de família, adormecido, estático, quieto, trazendo os cheiros do tempo junto com os pedaços de minha vida.

Por instantes, tive a impressão de tê-lo ouvido me convidar a um resgate de lembranças. Parecia que me sorria. Resolvi abri-lo e, lá estavam tantos fragmentos. Já nem me lembrava de como eram as fotos antigas, em preto e branco, textura áspera, fosca, tão diferente das atuais, que hoje, como homens que moram em apartamentos e não em casas de grandes quintais, que habitam em álbuns, mas arquivados em pedaços de tecnologia, em CDs.

Aquele álbum, com toda sua simplicidade, abrigava bem guardado o sorriso da minha avó, comigo no colo ainda bebê, conservava intactos fragmentos de nossa história de família que contados poderiam substituir as baboseiras e babaquices que meus filhos assistem na TV.

- Mãe, o que é isso aí?

- Um álbum, um antigo álbum de família, daqueles que todo mundo tem.

- Cruzes! Que coisa velha! Joga isso fora, fica guardando essa velharia, vai chamar ratos e baratas para cá.

- Não meu filho, olha o que encontrei aqui: o brinde do casamento de seu avô. Veja o brilho de felicidade nos olhos dele.

- Ah, mãe, pára de palhaçada! Essa velharada toda já morreu. Joga isso fora! Fui...

Por mais alguns momentos, ainda fiquei a remexer o passado, mas como o presente não perdoa, o velho álbum volta para seu esconderijo no fundo da gaveta do móvel antigo do meu avô.

Eliane Correia