Como se reconhece um irmão

O final dos anos 70 foi uma época de grandes mudanças...

Estávamos encerrando o CHB (Curso de Habilitação Bancária), todos já sabiam onde seriam lotados, a maioria no interior de Pernambuco, porém outros, em lugares mais distantes. Tive o privilégio de ser encaminhado para uma das cidades mais belas do interior Pernambucano: Garanhuns com suas praças repletas de flores, clima agradabilíssimo. Entretanto, não fomos por que queríamos, éramos jovens demais, estávamos ainda muito ligados ao elo familiar. E tudo aquilo ainda parecia um sonho para muitos ou um pesadelo para outros... Tentei ver a coisa pelo lado positivo, começávamos a ganhar relativamente bem, a liberdade surgia de uma forma assustadora, éramos os donos dos nossos narizes, mas como tudo na vida, tem um lado negativo e outro positivo, também vieram às responsabilidades! O inicio dos anos 80, foi um marco na minha história... Era o fim de um ciclo e início de outro... A adolescência interrompida pelo trabalho prematuro esvaia-se de repente, transformando-nos em adultos precoces e cheios de direitos e deveres. Da nossa turma, foram 5 pessoas para Garanhuns, O Evandro e a Ana, que já eram casados, foram os primeiros a chegar por lá. Depois foi a minha vez... Cheguei mais perdido que cego em tiroteio, e eles que já estavam lá há um mês, mais ou menos, já tinham alugado um apartamento colado ao Banco e me convidaram para passar um tempinho com eles, até eu arrumar um lugar para me fixar. (Nunca vou esquecer dessa mãozinha que eles me deram) Não demorou muito e com a chegada do Mário e da Gilda, montamos uma “República” juntamente com Telma, outra funcionária nova que acabara de chegar também à cidade. Conseguimos, no mesmo prédio que o Evandro e a Ana, um apartamento enorme, que ficava na parte de traz. Já havia uma estante de tijolos aparentes e um sofá também do mesmo material, o restante dos móveis Eu e a Gilda compramos de uma vez só, pois tínhamos a intenção de nos casarmos e a coisa fluiu de uma forma, praticamente natural. A república foi uma experiência interessante, mas nós queríamos nossa privacidade, queríamos nosso cantinho... Por isso, com mais ou menos um ano de existência, a república se desfez e passamos a morar juntos. Era um tempo de músicas maravilhosas, a criatividade aflorava dos compositores nacionais e internacionais... Foram anos mágicos em matéria de música!

Os poucos bares que existiam na época, eram frequentados com assiduidade por todos nós. Mas um em especial chamava a atenção: O VAGÃO – era uma antiga estação ferroviária que fora desativada e tornara-se um centro cultural, com teatro, biblioteca e na parte de cima um pequeno local com varanda que transformaram em barzinho. A parte de fora (varanda) não era bem quista pelos frequentadores por causa do frio, então o pessoal chegava bem cedo para poder pegar os melhores lugares, porém quando enchia mesmo, então o jeito era ir para fora. E tome agasalho para aguentar o frio. A banda do Maurilinho fazia o maior sucesso por lá e o clima tornava-se algo sobrenatural. Lugar maravilhoso para namorar, paquerar e curtir a noite. Até hoje sinto saudade do vagão, não sei por que o que é bom acaba tão rápido!

Chegamos a uma cidade altamente preconceituosa e antiquada, começamos a usar shorts e cauções com camisetas sem mangas e a população olhava pra gente como se fôssemos de outro mundo. E nós éramos mesmo! Vínhamos da capital e, portanto nossas cabeças estavam em completa erupção, com ideias deslumbrantes e uma vontade de mudar o mundo que deixava as pessoas daquela cidade alucinadas.

Começamos a fazer amizades, umas que guardo até hoje, outras que com o passar do tempo só ficou uma penumbra de recordação. Mesmo assim, ainda guardo no peito muitos momentos de alguns companheiros de copo e peladas, de farras homéricas e trapalhadas constrangedoras. Nesta minha passagem por Garanhuns, reconheci um dos meus melhores Amigos: Antônio José Soares de França, ou simplesmente Soares! Comecei a amizade com Soares, num dos piores momentos da minha vida... Na realidade, conhece-lo, já conhecia, mas não tínhamos muita intimidade, até achava-o um pouco irresponsável e ele tinha mais aproximação com Evandro do que comigo. Estava no início de uma traumática e melancólica separação, quando sem ter com quem conversar, fui desesperadamente procura-lo para desabafar, pois sabia que ele também tinha passado por problema semelhante e foi assim que passamos uma tarde inteira bebendo e conversando. Iniciava-se ali uma amizade que dura até os dias de hoje... Afastamo-nos um pouco, quando fui morar em Olinda e ele em Caruaru, mas nunca ficamos sem nos comunicar por muito tempo, através do telefone ou mesmo dos E-1/2 e sempre que podemos nos encontramos para bebericar, tocar um violãozinho, fazermos aquele churrasco com “terra”, ou uma feijoada com palitos de fósforos (kkk) e termos as nossas conversas sempre tão amenas. Assim é um dos mais louváveis irmãos que eu tenho guardado no meu coração e que eu posso contar nas horas mais difíceis e problemáticas da minha vida.