O voyeur de belezas

Creio eu ser desnecessário dizer que, como poeta, uma de minhas maiores obsessões é a busca pela Beleza. Ou, melhor dizendo, pelo meu ideal de Beleza incorporado na Terra já que, como poeta, também é de praxe eu idealizar os valores e atributos daquilo que creio ser belo.

Como objeto de meus amores, imaginei para mim um ser andrógino, perfeito, que foi criado por Deus a partir do Nada única e exclusivamente para que amasse-me, e eu a ele, como uma Eva rediviva. A perspectiva deste ser se materializar na vida real, no entanto, possui chances quase que ínfimas de se concretizar, então o que fiz a fim de encontrar o que atiçasse as batidas de meu coração foi procurar por quem lembrasse-me, mais ou menos, de meu ideal.

Verdadeira símile do Prof. Aschenbach seguindo sub-repticiamente pelas ruas no encalço de seu Tadzio, saí à caça de diversas belezas, arriscando ser enxotado aos apupos e ameaças, sendo tomado por um reles pervertido pelos pobres e incautos objetos de minha adoração – o que não tenho vergonha de admitir ao público, pois, em minha defesa, minhas intenções são benignas, e nunca tive o intuito de assediar ninguém. Do que tenho vergonha, entretanto, é abordá-las diretamente, já que no mundo hodierno até o mais sincero dos elogios pode ser interpretado de maneira hostil.

Dentre tantas belezas que admirei pelas ruas de minha cidade (e outras cidades, decerto), à distância, ainda hoje uma tira-me o sono; três anos se passaram desde nosso único encontro, para que nunca mais nos revíssemos, mas conjuro sua imagem quase que constantemente sonhando com o dia em que haverei de ver-te ainda uma vez, meu adorável menino.

Neste dia em questão que narro eu, estava à espera do ônibus e, como usualmente encontro-me ao fazê-lo, bastante irritado pois acho o transporte público de minha cidade detestável; em verdade, prefiro seguir andando a meus destinos, por mais distantes que sejam e, por fim, acabe chegando esfalfado a eles, e já estava prestes a partir a pé quando ele apareceu; não o ônibus, mas algo muito mais aprazível ainda assim.

Era um lindo mocinho que aparentava não ter mais do que vinte anos – transmitia, no entanto, ser muito mais jovem devido à compleição feminina e delicada e à estatura, pois era quase tão pequeno como uma criança. Deduzo, de qualquer forma, que era maior de idade, pois a julgar por sua indumentária, era universitário; carregava consigo uma mochila e um livro cuja capa não pude discernir, e trajava um moletom da universidade local, mas esqueço-me o curso que estudava. Uma franja cobria-lhe um dos olhos, e ao sentar-se no banco bem próximo de onde eu estava o fez de modo grácil e retraído.

Não pude evitar de encarar aquele jovem pelo tempo em que lá esteve; observava seu rosto afeminado e infantil, a delicadeza de seu semblante, o modo doce com o qual brincava com um chaveiro de sua mochila nas mãos – tive o ímpeto de sentar-me a seu lado, deitar a cabeça em seu ombro e dizer-lhe: “Querido e terno garoto, entrego-me a ti de corpo e alma – meu coração é teu, e somente teu, e dele podes fazer o que quiser.” Mas o que acharia ele de mim? E todas as outras pessoas que lá estavam presentes? Afinal de contas, confesso que seria uma grande imprudência de minha parte demonstrar tamanha efusividade de sentimentos em público. Entretanto, não sei exprimir-me de outra forma. Ossos do ofício…!

Não sei quanto tempo se passou desde que iniciara a contemplação do objeto de meus amores, mas após o que pareceram ser horas meu ônibus chegou, e quase como se houvesse sido despertado de um transe lentamente nele embarquei, entristecido por não ter dito qualquer palavra ao garoto. Até inventei alguns compromissos nos dias subsequentes para tentar reencontrá-lo no ponto de ônibus no mesmo horário, mas em vão – nunca mais o vi.

Desde então deparei-me com vários outros moços e moças, talvez até mais bonitos do que ele, mas ele não sai-me da memória, creio eu, por ter sido a partir dele que descobri gostar tanto de homens quanto de mulheres, levando-me à minha costumeira brincadeira de igualar-me a Byron meramente em sexualidade, e não em talento. Como não poderia deixar de ser, sei que certos leitores haverão de franzir os sobrolhos e impingir negros castigos à minha alma pecadora; porém, só posso responder-lhes com as palavras do Poeta: “Se for pecado amar a um belo rapaz, oh, como peco”!

(São Carlos, 6 de abril de 2022)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 11/08/2010
Reeditado em 06/04/2022
Código do texto: T2432424
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