A Preta apesar de ser Cadela não é um Cão qualquer

A Preta apesar de ser Cadela não é um Cão qualquer

É o único ser vivo que vive comigo. Chamavam-lhe Tuxa e Jona, mas para mim foi Preta, é Preta e será Preta.

Dizem-me que não é uma caniche pura, quero lá saber se é ou não, é a minha companheira e, havendo uma evidente química entre nós, eu gosto dela e ela gosta de mim.

Também nunca soube a idade certa dela, nem me interessa, talvez tenha uns seis ou sete anos ou até já uns oito. Certo é que já tem imensos cabelos brancos. O que realmente me interessa, é que é inteligente, doce, leal e fiel. Sei pelo olhar e o abanar da cauda, é assim que a gente sabe o que os cães pensam, que ela também me considera inteligente, doce, leal e fiel.

Nem sequer era minha, nunca me referiria a ela como tal, como coisa possuída sem alma, não trato assim um ser vivo meu companheiro de vida.

Talvez por isso, tenha sido o primeiro que me abraçou depois do soco e por isso, juro por tudo o mais sagrado, sem desejar estas desgraças a ela ou a quem quer que seja, esteja ela cega, prostrada, moribunda, em meu perfeito juízo, nunca a abandonarei em dias de minha vida. Aliás, que me lembre, até agora, nunca abandonei nada nem ninguém.

Vê-se mesmo que o sonho da Preta, seria dormir enroscada aos meus pés. Porém, por muito que me custe, e custa, tenho que recusar-lhe o gosto: já não estando em idade de ser educada, seria um sonho que se tornaria pesadelo. Dorme na pequena nesga de quintal, num espaço confortável e fica a cheirar-me lá de baixo.

Apesar do braseiro dos últimos tempos, que abrasou tudo, as brasas não justificam toda a omissão, tenho de lhe pedir perdão pela pouca atenção que lhe dediquei nos últimos meses. Redimi-me, creio, ela pelo menos ter-me-á perdoado, há duas semanas quando, depois de lavada, com o pêlo cortado, com nova coleira e trela, assistimos às marchas de São Pedro.

Sinto-a vaidosa. As crianças acharam-na bonita, brincaram com ela, fizeram-lhe festas, e eu, boquiaberto, quando a via como a cadela mais feia deste e do outro mundo, senti-me também vaidoso.

Afinal de contas, a Preta não é apenas uma cadela é a minha companheira.

Julho, 1 de 2010

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 12/08/2010
Código do texto: T2433812
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