Vivendo com AIDS

Havia mais boa vontade do que conhecimento entre nosso grupo que, há quase 20 anos, atuava na prevenção da AIDS, mas, apesar disso, acho que salvamos algumas vidas. Parece dramático, mas, na época, a vida de alguém contaminado era sobrevida e mais nada. Se discutia mais sua origem do que seu tratamento com uma imensidão de efeitos colaterais. Sobrevida de 10 anos era raridade.

Isso é passado, e muitos dos 33,4 milhões de infectados no mundo engrossam esse número por viverem há mais de 20 anos com a doença, graças às novas descobertas e à disponibilidade de medicamentos.

É passado, mas o preconceito ainda vive e é forte. Os primórdios da descoberta da doença e sua ligação ao sexo e ao homossexualismo contribuíram muito para isso. Se sexo já é sujo e é pecado, sexo homossexual é mais ainda, portanto, quem tinha AIDS, no mínimo, era um pecador devasso! As estatísticas eram furadíssimas, pois a grande maioria dizia ter se contaminado através do uso de drogas. Destruir-se com as drogas era mais aceitável do que viver sua sexualidade.

Micaela Cyrino é uma bela jovem de 22 anos de idade. Nasceu com a doença e passou toda a vida convivendo com o desrespeito e a agressão por conta disso. Ou não é uma agressão imensa para uma criança ouvir: “Minha mãe não quer que eu brinque com você”? A reportagem está na “Isto É”, a mesma revista que briga com Fernando Collor, e quem briga com elle merece crédito... Mas não foi só isso: um professor de biologia, na sala de aula, chegou a propor que todos portadores do vírus fossem reunidos e mortos para acabar com a doença. Não devem ter faltado religiosos para explicar que ela está pagando pelo pecado dos pais.

Aprendeu cedo a idiotice hipócrita de que a única forma de prevenção é a abstinência sexual, e, quando levou preservativos para a escola para ensinar algo aos colegas, diretoria nela.

Não se abateu, milita contra o preconceito em uma organização que dá voz às necessidades dos jovens portadores, faz faculdade e leva uma vida de realizações bem maiores do que o preconceito de que foi alvo por toda vida. Vive, enfim, e encara o futuro com a certeza do sucesso e da felicidade. Enquanto isso, os preconceituosos bebem seus coquetéis de fel.