O Museu do Louvre, as Poças, eu e a minha filha Filipa

O Museu do Louvre, as Poças, eu e a minha filha Filipa

No preciso momento em que estou diante do quadro de Mona Lisa, em Paris, a minha filha Filipa está a apanhar sol nas Poças, na Ribeira Grande.

Mas, enquanto eu precisei de um dia inteiro para chegar aqui, as nossas mensagens via telemóvel percorrem três mil quilómetros em fracções de segundo.

Vão e vêm das Poças para a sala do Louvre e da sala do Louvre para as Poças dando a impressão de não precisarem de tempo para ir e vir.

Éramos três ali: eu e Mona Lisa na sala e a Filipa nas Poças. Eu e a Filipa destinámos o destino de Mona Lisa em dois tempos.

Vou continuar a explicar.

Quando decidi vir a Paris, decidi vir de pronto aqui. Cumpri. Venho aqui alimentar as minhas raízes culturais como fui em Abril nutrir-me das raízes do sangue. Em Abril peregrinei por locais tais como o cemitério de Camarate, o Casal Cimeiro e a Batalha. Agora, estou aqui, depois, logo se verá. Sou livre, vou para onde me apetecer, sou dono do meu tempo, não tenho pressa nem tenho que dar contas a ninguém a não ser à minha consciência e aos meus filhos.

A primeira vez que vi Mona Lisa, não passava de um puto idealista de dezoito anos, um miúdo que queria mudar o mundo e construir o homem novo. Estava tão à esquerda então, que o PC (leia-se Partido Comunista), era para mim um partido de direita. Mas, vai-se lá saber por que razão, em vez de andar com o Livro Vermelho de Mao Tse Tung na mão andava sempre com o Novo Testamento de Jesus Cristo dentro da mala.

Sabia de Mona Lisa apenas pelo que ouvira o professor de história contar nas aulas. E pouco mais.

Quando a vi pela primeira vez, num Domingo, tal como hoje, olhei para aquela mulher rechonchuda com um ligeiro sorriso maroto, nunca fui atraído por rechonchudas, à falta de melhor, pensei ser capaz de ir com ela dar uma curva para os lados do bosque de Bolonha. Juro que foi isso que pensei.

Passados anos, já sem utopias a maçar-me a consciência, só acredito no homem possível, quando a vi, pensei logo que nem coberta de oiro iria querer ir com ela dar uma volta ao bosque de Bolonha.

Descobri que o seu mistério era afinal não ter nenhum. É apenas uma menina mimada que abusa dos outros por se considerar bonita. Um ser com cara de anjo caído à terra por engano, mas que não passa de um reles demónio disfarçado de anjo.

Querendo-me livrar dela, mandei da sala da Mona Lisa uma mensagem à minha filha: acabei com a Mona Lisa.

E o meu afecto de anos pela Mona Lisa terminou ali mesmo naquele preciso instante numa conspiração a dois.

Mário Moura

Louvre, 6 de Julho de 2010

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 13/08/2010
Código do texto: T2435689
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