Shopping.

Revolução na cidade.

Inauguração de um shopping, novinho, cheirando a tinta, depois de meses e meses fazendo chamadas por todos os meios de comunicação. O povo aguardando ansioso este acontecimento, antes mesmo das portas se abrirem uma multidão se acotovelava aguardava do lado de fora.

Pessoalmente não gosto de shopping, me sinto presa, sufocada.

Gosto mesmo é do centro da cidade, felizmente moro numa capital onde ainda é possível fazer tal passeio.

Sempre deixo o carro em casa e vou de ônibus, em horário escolhido para não me estressar com muita gente se espremendo num de espaço limitado. Sentada perto da janela, presto atenção em tudo o que passa, quando estou dirigindo não noto nada!

Andar na rua, no sol, na chuva, no calor, no frio, não importa, andar ao ar livre é muito mais atraente, dá sensação de liberdade, é só levantar os olhos para ver o céu infinito, ou as varetas e as estampas de seu guarda chuva...

Aqui o inverno é muito rigoroso, na rua só se vê pessoas andando apressadas vestidas com agasalhos pesados, com cahecól, chapéus, gorros, luvas e tudo mais que possa trazer um pouco mais de calor. Muitas pessoas têm a ponta do nariz vermelho, queimado pelo frio.

Os idosos se reúnem frente aos vários cafés procurando o calor que uma nesga de sol oferece entre os edifícios, parece que calor humano não lhes falta por que conversam bastante e o assunto vai longe, conforme o sol se move eles o acompanham.

No centro sempre encontramos coisas interessantes, como o homem estátua, duro de frio, se não se cuida vira estatua de gelo!Sempre coloco algum dinheirinho para ele, não deve ser fácil, ficar estático com a roupa encharcada numa temperatura de 4 ou 5 graus, isso sem considerar o vento.

O homem sombra que segue os passantes imitando seus gestos, acho engraçado, algumas vezes se dão mal, e escutam um desfiar de palavrões. Os pregadores da Bíblia se acabando de falar para meia dúzia de curiosos. O homem que finge bater no gato dentro de uma caixa.Outro que pula através de um circulo de facas,(não vejo, sou covarde) é magro que dá dó.A mulher que a anos vende bilhetes de loteria aos gritos, é sempre encontrada no mesmo lugar.Músicos variados, desde o cego acompanhado pela mulher, ate outro que espera ser descoberto para um dia quem sabe fazer sucesso.Mães dando safanões no filho que se joga no chão fazendo birra, ele com o rosto lavado de lágrimas e ela vermelha de raiva querendo matar a criança, fazendo mil ameaças, e o povo que passa olhando... Outro com a velha conversa de pedir um trocado para completar a passagem de ônibus. Os punks em grupo sentados nas portas das lojas ou nos bancos, ainda não perceberam que o tempo que chamavam a atenção das pessoas já passou. Carrinho de pipocas doce e salgada com pedaços de bacon, quebra-queixo, uma delícia!Locutores nas portas das lojas anunciando as ofertas, liquidação, oferta de empréstimo de dinheiro a juros baixíssimos... E o malandro de olho na sua bolsa.

A rua não é para os desavisados, é preciso ser esperto, como se diz hoje “estar ligado”, de repente sem mais nem menos surge uma correria, ninguém sabe o motivo, mas a maioria corre também, nem sabem por quê!

Eu entro “voando” na primeira loja que encontro e espero a situação normalizar.

Na praça eu encontro “eles”, os peruanos, apresentando sua música.

Acho que eles têm “clones” espalhados pelo mundo. Onde quer que você vá, vai encontrar um grupo deles tocando musicas de seu país.

Procuro sempre um banco próximo para sentar, com um saco de pipocas doce com pedacinhos de coco açucarado ou um sorvete, fico escutando a música, sinto uma gostosa sensação de paz, não sei por que, nem quero saber, quero apenas ouvir, me soltar na musica e sonhar com lugares distantes... Nunca comprei nem um cd deles. Para ouvi-los é necessário ter a paisagem condizente com a música, em casa acaba o encanto.

O tempo passa e nem percebo.

Mas voltemos ao shopping, afinal tenho que justificar o titulo desta crônica.

No dia da inauguração do shopping, havia engarrafamento em muitas ruas no “entorno”(o termo está na moda),um caos!

Passei a quilômetros de distância...

Depois de um ano da inauguração, resolvi conhecer a bela obra de arquitetura.

Bela mesmo!

Entrei pela garagem, enorme e muito espaçosa, bem sinalizada, achei com facilidade um lugar para estacionar o carro.

O elevador demorou um pouco para chegar, quando abriu as portas saia tanta gente que mais parecia procissão em dia santo!

Finalmente depois de ler as instruções de localização dos espaços junto aos botões do elevador, resolvi descer logo no primeiro andar.

Valeu à pena!Bastante iluminado inclusive por luz natural dá sensação de que o ar é leve e disponível.

Andei sem pressa por todos os pisos, observando as lojas, cafés, vários quiosques espalhados pelos corredores, bem decorados, algumas vitrines são verdadeiras obras de arte.

Felizmente não achei nada interessante para gastar o dinheiro que não tenho.

Cansada de andar, com fome, com os pés doendo, este sapato sempre acaba comigo.

Fui para a praça de alimentação.

Nossa! A praça era enorme, cheia de belas mesas com cadeiras confortáveis, outras com sofás convidativos à sua volta, plantas, letreiros super coloridos, tudo muito brilhante e chamativo.

A área era circundada por todo tipo de restaurantes, lanchonetes, com variada oferta de alimentos.

Fiquei abobada sem definir o que queria.

Percorri a praça toda, parando em cada lugar para examinar o cardápio e os preços.

Conclusão óbvia, eu ganho pouco, pois achei tudo caro!

Fiquei admirada ao ver o preço de um pobre sanduichinho, com muito recheio gorduroso, uma mísera folhinha de alface, uma fina fatia de tomate era muito mais caro que um p.f.(prato feito)ou sanduíche mais farto comprado no centro!

Me recriminei. Opa! Desconfia criatura, cai “na real”, não vê que ele é um sanduíche de grife! Pensa que grife é para qualquer um?

Finalmente, resolvi comer um crepe, estava meio sem gosto, mas não era ruim, exatamente como o preço, nem caro nem barato.

Não foi fácil encontrar uma mesa livre, me sentei mais ou menos no centro da praça. Enquanto comia fiquei observando as pessoas a minha volta.

Sempre tenho que observar e tentar analisar a reação e comportamento das pessoas? Que droga!

Preciso abandonar esse costume, que coisa ridícula!

Mas tudo bem, alguém deve estar me analisando e talvez me criticando também, pensando assim acalmo minha consciência ...

Observei um casal jovem com um bebê muito bonitinho, eles comiam tranquilamente enquanto o bebê se lambuzava com batata frita e macarrão, totalmente independente, nem olhava para os pais. Uma graça vê-lo todo sujo de molho e feliz.

Um pouco distante, estavam três senhoras de meia idade, o comportamento sugeria fina educação, conversavam tranquilamente enquanto almoçavam com elegância.

Duas jovens bonitas, de cabelos longos, riam e cochichavam tapando a boca com as mãos. Posso apostar que fofocavam ou trocavam segredinhos!

Quem seria a vítima de seu assunto?

Um homem sozinho engolia a comida muito depressa, quase arrancava os lábios com o guardanapo. Estava visivelmente nervoso. Acabou de comer e saiu apressado. Pensei comigo mesma, esse aí vai ter uma bela ulcera estomacal. Coitado!

Um pouco distante dois adolescentes se beijando, um querendo “engolir” o outro. O rapaz estava mais vermelho que um pimentão, O rosto cheio de espinhas, ela com carinha de santa. Coitado, é incrível o que os hormônios são capazes de fazer! Sinceramente fiquei com dó dele, senti vontade de chegar perto dele e perguntar:

- Vai comer aqui ou quer que embrulhe?

Disfarçadamente comecei a rir, tenho certeza que levaria um soco bem dado e bem merecido. Imagine a correria que seria? Os seguranças nos cercando, os curiosos esticando o pescoço para ver os briguentos, seria o maior tumulto!

Desisti da idéia absurda!Louca, quer morrer?

De frente a mim sentou um casal de meia idade, só os dois. Só mesmo!Um de cada lado da mesa, comiam sem trocar uma palavra, cada qual voltado para dentro de si mesmo. Eram casados, logo percebi pela aliança, fácil intuir que aquele casamento já tinha acabado. O olhar triste de ambos denotava desencanto, significava que nada mais os unia. Diálogo zero, interesse em comum também zero.

Não trocaram uma palavra, parecia que faziam força para engolir a refeição. Não tinham nada a dizer um ao outro. Acabaram de comer, se levantaram, ele um pouco na frente e ela atrás, parecia que se arrastavam. Que tristeza.

O casal de “beijoqueiros” parou, de beijar, ela levantou e foi buscar o lanche, ele ficou sentado... Comiam enormes sanduíches com enormes mordidas!

Mais adiante um pai estava dando comida na boca de uma menina bem grandinha que no mínimo já podia comer com as próprias mãos. Não “fui com a cara”dela, era aquele tipo de menina enjoada cheia de gestos estudados( que vontade de dar uns tapas). Ela fazia carinha de manha, a mãe não tomava conhecimento do que se passava,imagino que já devia estar farta de agüentar aquela filha “purgante”

Puxa vida, estou pensando mal da criança, vai ver ela tem algum problema e eu não percebi. Com remorso redobrei a atenção.

A “bandidinha” jogava os cabelos para trás, fazia caras e bocas se achando linda! De repente pegou o suco e tomou, pegou o garfo das mãos do pai e começou a comer sem problemas. Doente coisa nenhuma, é folgada mesmo.

Esse pai dever “ter culpa no cartório” como se dizia antigamente, está se desculpando , exagerando no cuidado com a filha ou então é bobo mesmo!Fico imaginando esta menina quando crescer vai ser uma Barbie insuportável! Acho melhor sair daqui, estou começando a ficar irritada!

Nesse momento entra um casal com filhos adolescentes todos felizes usufruindo daquele momento juntos. Uma refeição em família! Puxa vida, ainda existe família normal, o amor entre eles estava implícito no modo de agir.

Mais distante, um bonito casal de namorados bastante jovem conversavam de mãos dadas, possivelmente estavam fazendo planos para o futuro, se olhavam nos olhos e sorriam com ternura. Interiormente desejei que fossem felizes.

Chega, vou sair daqui!

Imediatamente desisti da idéia, quando uma horda de rapazes adolescentes invadiu o lugar. As meninas vieram em bando um pouco atrás.

Me pareceu que deviam pertencer a alguma seita,um clube, ou qualquer sociedade (anônima). Todos vestidos com roupas mais ou menos iguais, variava apenas nas cores e desenhos. Tênis desamarrado e alargado com os cordões soltos, mais parecia um “calzone” amassado do que um tênis, as meias mal cobriam aquelas canelas finas com pelos ainda ralos, a barra da bermuda quase chegando à altura das meias.

Quando os observa de costas, você fica na duvida, não sabe se chora ou se ri.

Os fundilhos caídos, pendurados na altura do joelho, parecendo bebê que fez o numero dois na fralda, o cós da cueca aparecendo,imagino que é para avisar que usa cueca. Camiseta e casaco de moletom, alguns com capuz, boné com a aba voltada para trás, os óculos escuros sobre a aba do boné (boné tem olhos?).

Muitos vestem o capuz, por cima dele põe o boné e sobre o boné os óculos! Verdadeira obra de arquitetura e equilibrismo!

Todos andam do mesmo modo, balançando o corpo de modo displicente, falando alto e sempre em grupos.

As meninas usando calças de cintura baixa, muitas com sobras de gordura, camisetas, jaqueta geralmente de jeans, meias três quartos, botas ou sapatos com plataformas enormes, (parecem andaimes).Sempre penduradas no braço das colegas se empurrando e rindo muito, algumas põem na boca algum cordão da roupa ou a ponta do casaco.

Será falta da chupeta?

É, gosto não se discute, se lamenta!

Quando pensei que o desfile tinha acabado, surgiu um rapaz cheio de piercings, alargador de lóbulos de metal, argola no nariz, pulseiras, cola, anéis. Era uma exposição de metais ambulante.

Comecei a rir sozinha, como sempre com a imaginação a mil!Puxa vida ele daria um ótimo para raios!

Depois que a fauna estranha saiu, resolvi ir embora de vez.

Prá mim chega! Foi uma overdose, meus pobres neurônios que andam meio anestesiados, acabarão se suicidando de vez!

Pensei em ir ao cinema, dizem que é super confortável. Olhei o cartaz, uma droga de filme!

Vou embora mesmo!

Entrei no elevador e apertei o botão para descer no piso que havia deixado o carro.

E agora? Comecei a sentir calor...

Onde deixei o carro?

Tive vontade de bater a cabeça na parede por não ter prestado atenção na letra marcada nas colunas.

Parada, em pé feito uma imbecil tentei refazer mentalmente o trajeto que tinha feito ao chegar, não conseguia, aquela garagem era sinistra!

Que vergonha!

Para disfarçar, comecei a remexer dentro da bolsa.

Achei o cartão do estacionamento, será que marca a letra

de onde deixei o carro?

Burra, claro que não!

Resolvi ira ao guichê para pagar a permanência, andei bastante, depois de uma fila quilométrica, consegui pagar.

Saí para procurar o “bendito” carro, seria fácil se ele tivesse alarme sonoro, encontraria rapidinho, mas ele não tinha!

Louca de raiva de mim mesma, com os pés doendo muito, resolvi tirar os sapatos, descalça comecei a vagar entre os carros.

Quem passava dirigindo me olhava de modo estranho, ainda bem que não comentaram nada(nada que eu ouvisse).

Uma mulher descabelada, com expressão de vingança no olhar, descalça, vagando entre os carros numa enorme garagem, era aviso explicito de perigo.

Estava quase gritando quando encontrei o carro, bem quietinho onde deixei!

Viu sua tonta, quem manda ser distraída!Bem feito, só presta atenção no comportamento das pessoas...

Entrei no carro, joguei os sapatos no banco detrás, a bolsa no chão do lado do passageiro. Os pés duros de sujeira e de óleo, parecia que eles tinham sola própria.

Liguei o carro e saí daquele pesadelo!

Só respirei aliviada quando cheguei em casa.

Sei que voltarei ao shopping em caso de necessidade, para comprar algo bem definido, não para ficar andando à toa. Calçarei chinelos...

Quero comer aquele sanduíche de grife quando receber meu pobre salarinho!

Marcarei num papel a letra da coluna correspondente ao lugar onde estacionarei o carro.

Vou me enfiar numa sala de cinema com um enorme saco

pipocas.

Pelo menos levo nas pipocas um pouco da lembrança do centro da cidade, onde não existem mais cinemas.

Quando você for ao shopping, repare se não tem por perto uma mulher simpática, de estatura média, com cabelos loiro-ruivos, com olhos de gato, te observando atenta.

Calma!

Ela não está querendo te conquistar.

Não se preocupe....

Ela sou eu!

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M.H.P.M.

Helena Terrível.