Tinha grande fé neste livro. Mesmo tendo ultrapassado o orçamento para compras nesse mês não pude resistir quando o vi no escaparate. Há umas semanas ouvira um programa de rádio onde falavam longamente sobre ele. A acção passava-se na Figueira da Foz, (local predilecto dos espanhóis para veranear em Portugal) durante a guerra civil espanhola, na primeira década do Estado Novo. A parte política interessava-me. O autor tinha um currículo considerável. Jorge de Sena. Nunca o lera. E as vozes da rádio explicavam que uma nova edição saíra recentemente e estava a ser muito procurada também devido à publicidade que Miguel Sousa Tavares fizera do autor ao chamar ao seu novo programa “Sinais de Fogo”, em homenagem ao seu único romance de ficção.
Seiscentas e sessenta e duas páginas tem “ Sinais de Fogo”. Já li livros maiores. Já li livros mais longos sentindo pena no final da leitura. Foi com entusiasmo que iniciei esta “aventura”.
Não consegui ler o prefácio até ao fim. Essa foi a primeira surpresa. Assinado pela viúva (Mécia de Sena) que publica o romance que o escritor deixara sem lhe fazer a revisão, é uma explanação longa, densa, e monótona da obra de uma vida.
Ansiosa, passei à narrativa propriamente dita. Não começou mal. Personagens adolescentes. Vida de escola. Coisas de rapazes. Quando a acção avança para a Figueira da Foz, era Verão, e as hormonas dos protagonistas estão no auge.
A parte política da história é ínfima. Pode resumir-se do seguinte modo: Em Espanha os homens matavam-se uns aos outros divididos entre direita e esquerda e em Portugal os espanhóis em férias resolviam a coisa ao murro. Salazar aproveitava para prender uns comunistas.
O resto é sexo. Puro e duro. Sem pudor nem sensualidade. Prostitutos obscenos que se vendem aos pedófilos. Prostitutas de idade avançada, grotescas. Exibicionismo. Orgias onde a homossexualidade recalcada está à espreita mas teima e não se mostrar.
E mesmo a história de amor entre Jorge e Mercedes é uma coisa patética, estéril, dominada pelo desejo de posse do homem em relação à mulher que mais não é que uma forma animalesca de desejo de predacção. Não admira que as barreiras a esse sentimento fossem fúteis e tudo aquilo não passasse de uma tola brincadeira de crianças.
Aliás o livro está carregado de longas e extenuantes dissertações semi-infantis acerca do que é o sentimento que une os seres e os corpos sem nunca chegar a grande conclusão, escrita em tom juvenil, imaturo, inconsequente e pior que tudo terrivelmente entediante.
Segue-se um exemplo gritante: “E que buscava eu na virgindade desejada da criada? Essa virgindade física que a Mercedes não tivera, e a violência física de que o “outro” me despojara? Fiquei horrorizado com a ideia de que esta criada do meu tio, com os seus lábios grossos e o seu nariz achatado, o seu cheiro de partes mal lavadas, pudesse ser, menos que a satisfação provisória, por conta de outrem (que todas as outras me pareciam ter sido, e ela, simultânea com uma mulher que não era uma imagem desejada mas uma amante que se deseja porque se possui, não podia ser), a realidade da minha frustração animal e primária de não ter tido, para mim, a virgindade da Mercedes.”
Deste modo continua e se arrasta a trama, recheada de palavras que se repetem à exaustão. As “top five” são: “ possuir”, “virgindade”, “Desvirgar”, “macho” e “ejaculação”.
A escrita é crua, densa, confusa. Uma espécie de acne literária a rebentar de testosterona. A acção física decorre a mil à hora mas a sensualidade que nos transmite é zero.
Todos estes aspectos negativos poderiam ter sido atenuados se o autor tivesse tido a hipótese de fazer o trabalho de revisão. Podia também ter emendado o erro de ter chamado ao “Almeida” nuns capítulos Manuel, depois Mário, para voltar a ser novamente Manuel e passar definitivamente a ser tratado pelo apelido até ao fim da trama. Pareceu-me um erro demasiado amador, daqueles que fazem os escritores que se iniciam na ficção nos seus verdes anos. E se calhar assim foi.
Com um bom trabalho de revisão o livro poderia ter sido uma razoável obra de cerca de trezentas páginas. Assim como está, metade é palha. Da grossa. Que me perdoem os universitários que chamaram àquilo, num programa da RTP2, uma obra-prima fundamental e não perderam a oportunidade de apelidar os portugueses de ignorantes.
Os ditos especialistas reconhecem no dito romance um retrato do Portugal subterrâneo da década de trinta. Não o desminto. O problema é que a escrita não me entusiasma. Não me apaixona. Não me dá prazer. Mesmo com todo o sexo que o autor quis colocar no enredo.
Lembro-me de ter lido o “Nana” de Émile Zola muito nova e apesar de também ser um retrato da decadência moral de uma sociedade, e toda a carga sexual do enredo, senti que em paralelo com a luxúria vinha ao de cima uma sensualidade que nos prendia à leitura do início ao fim.
No caso de “ Sinais de Fogo” de Jorge de Sena o que me manteve acordada até às quatro da manhã para o acabar foi a sensação de espanto e a pergunta que a cada página  fazia: Ó Jorge, o que é esta cena?
 
 
 
 
 
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 27/08/2010
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