Um dilema

Um dilema

Jocenir Barbat Mutti

Jul/10

Efêmera é a escolha de residência de um casal jovem. Tudo está para acontecer, desde o tamanho da família, o local de trabalho até a disponibilidade para investimento. Entretanto, profundas são as raízes que prendem um casal maduro de classe média em sua já conquistada casa dos sonhos. Está aí uma mudança difícil de ser feita, a não ser que aconteça um evento desestruturador.

Casais maduros racionalizam e manifestam o desejo de trocar de residência, haja vista que os filhos casaram e a casa ficou grande demais para dois. Sob o ponto de vista de quem escreve este texto, listamos as vantagens e desvantagens de uma boa casa para um bom apartamento:

- a segurança num apartamento é maior, mesmo que a casa tenha um sistema de alarme, pois é na entrada e saída da garagem que mora o perigo;

- a independência que temos numa casa para modificar o que bem entendermos sem prestar contas aos outros condôminos;

- num apartamento a solução de moradia na falta de um dos membros do casal já estaria racionalmente encaminhada;

- numa casa temos mais liberdade de fazer bagunças até altas horas da noite, e não precisamos reservar o salão de festas;

- num apartamento podemos ter melhores vistas da cidade;

- numa casa, em caso de incêndio, temos mais recursos de fuga;

- num apartamento, desde que você não seja o síndico, pouco nos envolvemos com a contratação de diversos profissionais para a manutenção e melhorias do edifício;

- numa casa não temos crianças e cachorros correndo na nossa cabeça nem vazamento de água ou esgoto do vizinho de cima;

- num apartamento, é o porteiro que atende seguidamente os chatos que chegam à porta;

- numa casa não corremos o risco de ter que contratar uma empresa especializada em elevação de carga por fora do edifício;

- num apartamento a limpeza é mais fácil e também mais racional os deslocamentos de uma pessoa com limitações físicas;

- a casa é menos sufocante, damos um passo e estamos na rua ou num belo jardim.

Essas comparações vão mais longe. Os arquitetos costumam respeitar os “bens sentimentais” em seus projetos. Não são poucos, às vezes são coisas que nem sabemos que curtimos. Nossas casas, na verdade, são testemunhas vivas das histórias que vivemos. Aproximadamente há duas décadas atrás, plantamos um pé de ipê roxo no nosso pátio, exatamente no dia do aniversário do meu sogro, a quem nós queríamos homenagear. Demorou muitos anos até que a árvore atingisse uns dez metros. Altura para o sol abraçá-la e carregá-la de lindas flores. Num livro de minha esposa, o ipê foi para a capa. Se trocarmos de residência, como vamos levar esse ipê?

Outro dia recebi de minha esposa via internet um teste de personalidade que ela já tinha preenchido. Constatei que uma vez respondidas as quarenta e duas perguntas, os questionados eram estratificados em dezesseis tipos. Pensei, sou de Áries, ela é de Libra, somos diferentes. Para nossa surpresa, ficamos exatamente no mesmo grupo nesse teste. Isso me deixou muito curioso. Comecei a matutar, e algumas coisas começaram a ter certa lógica. Os casais exitosos ultrapassaram milhares de vezes obstáculos similares. Quando surge uma barreira, mesmo que seja num teste, eles sabem exatamente como vão enfrentá-la. Lógico que ele ou ela nos primeiros problemas que se depararam ao longo da vida comum cederam mais ou menos e terminou havendo um consenso. Interessante, não é? Parece que com o tempo a cabeça do casal virá uma só. Um pouco de exagero, mas faz sentido. Acredito que esse fenômeno é uma das características dos que se amam!

Pensando na questão da classe social, talvez os muito ricos e muito pobres não formem um casal conforme descrevemos. Nós da classe média parece que não podemos desperdiçar nessas mudanças arriscadas, até porque temos que formar uma reserva pecuniária, pois queremos fazer a passagem para a outra vida da maneira mais digna possível.

Então, meus queridos amigos, satisfazer plenamente a cabeça de um casal cheio de sentimentos arraigados justifica esse dilema de mudar, que vai muito além do que uma simples troca de residência.