Erro quase fatal

O médico, velho amigo, examinava cuidadosamente os resultados dos testes e radiografia. Sua aparência era cada vez mais sisuda e preocupada.

- Alguma coisa errada?

- Não é possível. Você não apresenta sintoma nenhum disso.

- Disso o quê?

- Calma. Deixa eu olhar outra vez.

- Coisa séria?

- Pelo que vi, sim.

E mergulhou nos exames do amigo. Conferiu, reconferiu. Um tumor grande no pulmão esquerdo. Sinais de metástase.

Eram amigos há longos anos.

- Ou seus exames estão errados, ou a coisa vai de mal a pior. Vamos repetir esta porcariada. Você não tem sintomas disso.

- Câncer?

- Tomado. Tem tumores demais. Deixa que eu ligo para o laboratório.

Deu um abraço no amigo, levou até a porta e tentou acalmar: “ou erraram feio, ou trocaram o exame.”

O condenado entrou num bar próximo, tomou dois uísques grandes e fumou, o que não fazia tinha tempo.

Era sozinho. Morava num excelente apartamento de dois quartos, um luxo para os que não têm família. Vera não aguentara as estranhas atitudes do seu companheiro. Aparentemente, ele não ligou. Gostava dela, mas sua paixão mesmo era pelo corpo perfeito e a entrega total.

Estava com fome e sem a mínima vontade de pedir a excelente comida do restaurante ao lado, pratos sempre apetitosos. Abriu a geladeira, com o copo de uísque na mão. Sem gelo. Gostava da bebida e tinha sempre duas garrafas no seu móvel da sala. Esta comida não agrada ninguém. Arroz gelado e carne assada idem. Foi o que comeu.

Era major do exército, foi para a reserva quando perdeu dois dedos pequenos do pé esquerdo ao tentar chutar para longe uma granada de efeito moral.

Procurou sua Colt, no lugar onde sempre guardava. No extremo da cama, quase embaixo. Era fácil de ser encontrada. Pegou e olhou.

O brilho azulado profundo confundia com o negro. Retirou o carregador. Não gostava de usar cartucho na câmara, a bala na agulha. Pesada, a quarenta e cinco.

Imaginou-se tomando morfina sintética para passar as dores. Colocou mais uísque no copo. Bebia bem, mas não abusava.

Dormiu sem saber como, e foi acordado pelo telefone do amigo médico.

- Callado, os exames não são seus. Acabo de receber a informação do patologista.

- Não são meus? Não tenho nada?

- Nadinha!

Pegou a Colt e outro carregador. Nas forças especiais, o capitão Callado tinha o apelido de “Coisa Ruim”. Na noite anterior, quase tinha usado sua arma. Contra si mesmo. Foi direto para o laboratório. Não iria usar a quarenta e cinco, mas um golpe que poucos, muito poucos legistas sabem diagnosticar a causa mortis. Levou um susto.

Verinha, com seu escultural corpo, era a assistente do médico. Foi uma noite de amor desesperado.

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 29/08/2010
Código do texto: T2466438
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