Cenas de domingo com garotas

CENAS DE DOMINGO COM GAROTAS

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 01.09.2010)

A primeira cena do último domingo de agosto de 2010 ocorre em Goiânia, GO, mas já nem chama mais a atenção. De tanto que ela se repete por aí, ninguém mais se espanta com os fatos, ninguém mais se emociona com o drama barato, ninguém mais fica indignado graças à sua entediante repetição. De apostar que até mesmo a polícia já olha para a ocorrência com um suspiro misto, meio de conformismo, meio de desdém. Kelliane Gisele da Silva, de 22 anos, foi esfaqueada com vários golpes ao buscar o filho na casa do ex-marido. Eliel Ribeiro da Silva, um ajudante de pedreiro de 26 anos acusado da tentativa de homicídio, está foragido. Kelliane foi levada a um hospital e aguardava cirurgia.

A segunda cena vem se tornando também cada dia mais trivial e, portanto, pouca atenção merece da polícia, da Justiça e de cada um de nós: em geral, falta a este tipo de acontecimento um mínimo de criatividade que nos aguce a curiosidade. Em Campinas, SP, Renata Soares da Silva, empregada doméstica de 23 anos, trafegava de madrugada na garupa de uma moto quando o veículo foi atingido na traseira por um automóvel. Ela e o condutor da moto foram arremessados na calçada enquanto Romulo César da Silva Emiliano, de 18 anos, perdia o controle do carro infrator, subia no meio-fio e batia num poste. Sem se abalar com o contratempo, o motorista manobrou para fugir. Quarenta metros adiante, porém, para sua desgraça, uma pane elétrica apagou o motor. Renata estava presa debaixo do carro e Romulo, sem habilitação para dirigir, confessou ter bebido um copo de vodca numa festinha. A garota foi levada a um hospital e recebeu alta.

A terceira cena desenrola-se em Belo Horizonte, MG, e traz, pelo menos, alguma originalidade. Na manhã enfumaçada deste domingo, duas motos se envolvem em um pequeno acidente de trânsito. O homem que conduzia uma das máquinas sente-se mal e pede que a mulher de 21 anos que pilotava a outra moto o acompanhe até o hospital. Prestativa, ela concorda em dar assistência ao seu oponente, digamos assim. No meio do caminho, o homem desvia para um terreno baldio e estupra a garota. Levada a um hospital, ela é medicada e liberada. Mais tarde faria exame de corpo de delito. O oportunista foi preso.

Quanto tempo levará um advogado para tirar de trás das grades cada um dos agressores, se é que todos chegarão um dia a ir para a cadeia?

(Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e premiação em 44 concursos literários no Brasil e no exterior)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 01/09/2010
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