Não vou

Ouvi hoje de manhã à pergunta de um amigo: “Você vai ao desfile cívico?” Imediatamente respondi que não, porque nunca vou mesmo. Mas no mesmo instante em que dei a resposta com um lado do cérebro, o outro lado pensou “Desfile? Que desfile? Hã?!”. Não sei se pensei isso por estar distraída e não me lembrei logo de que se tratava, ou porque não dou a devida (será?) importância a tal evento.

Em Volta Redonda, onde nasci e vivo até hoje, desfile cívivo sempre foi uma festa, das grandes. O município era Área de Segurança Nacional, por causa da CSN, portanto, comandada pelos militares. E toda a turba que adorava o comando militar, sem ter a mínima ideia do que se praticava em seus porões, aplaudia milico marchando na avenida.

Não nego que tem lá sua beleza estética. Por tratar-se de instituição que prima pela disciplina (ainda será?), as Forças Armadas costumam dar show nessas ocasiões, com sua formação e ritmo exemplares. Sem contar as fanfarras, para sempre hour concours.

Gostava de ir aos desfiles, lá pelos idos de meus primeiros anos de vida. Ia pelas mãos da minha mãe, ou de um de meus irmãos. Sempre havia alguém da família a se apresentar na longa avenida Independência e, claro, deveria ser prestigiado. Nessa época todas as escolas públicas eram obrigadas a participar, além da Escola Técnica Pandiá Calógeras, que pertencia à CSN, e do Tiro de Guerra, esses dois últimos os mais esperados pelo público por sua exibição impecável.

O desfile começava impreterivelmente às 7h da manhã, fizesse sol ou chuva, e se arrastava até uma da tarde ou mais. Era muita gente desfilando. E a criançada era submetida aos gritos exaltados de professores e diretores de escolas, que os obrigavam, com fome, frio, ou calor intenso, a respeitarem a formação e desfilar com garra e cara emburrada. Isso mesmo. Era proibido sorrir. Todos deveriam saudar a independência do Brasil, mas sem nenhuma liberdade de expressão.

Vi muita gente desmaiar de fome e calor nos desfiles de 7 de setembro. Crianças, principalmente. E por mais que as apresentações das escolas fossem realmente brilhantes, aquele ambiente de certa forma não me fazia bem. Por ser ainda muito menina, não identificava exatamente porque algo ali me incomodava. Hoje faço essa avaliação com clareza. Tudo o que é feito pela imposição, por medo, não cai bem. Agora sei que sentia pena daquelas crianças. Muitas se achavam importantes por estarem ali, e era tudo tão forçado, com aquela imposição mal disfarçada. Outros apenas cumpriam as ordens e marcavam presença pela necessidade de cumprir ordens.

Os anos se passaram, o Brasil tornou-se país democrárico, os militares saíram do comando da cidade e os desfiles passaram a ser apenas uma obrigação cívica, da qual as escolas participam meio assim, assim. Mudou a concepção do evento, mudaram também as instituições participantes. Hoje, além das escolas (nem todas e com poucos alunos), passam pela avenida Paulo de Frontin (também mudou o local) clube de motos, de cavalos, idosos beneficiados pelo município. Para mim, não tem a menor graça, não vejo sentido naquilo tudo. Nada contra o dever cívico que deve ser permanentemente incentivado, porém não vejo verdade naquelas pessoas enfileiradas marchando, marchando. Aquela exibição militarista não cabe mais.

E este ano ainda temos uma agravante que me levou à mais fácil decisão de permanecer placidamente adormecida em casa: estamos em campanha eleitoral. Imagine a chatice de ter que aturar candidatos e seus asseclas, ao invés de curtir meu feriado no mais merecido descanso.

Portanto, está aí, por completo, a resposta ao meu amigo: não vou.

Giovana Damaceno
Enviado por Giovana Damaceno em 05/09/2010
Reeditado em 05/09/2010
Código do texto: T2480335
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