O COCÔ, O CACHORRO, A PRAÇA PÚBLICA E EU

Gosto de sair para fazer minhas caminhadas pela manhã.

Perto de casa há uma pequena praça com muitas árvores e também muito cimento...

Um pouquinho mais longe existe outra praça, bem maior, com mais verde, menos cimento e um caminho feito de terra e grama que podemos pisar em cima, correr ou simplesmente passear com o cachorro, sem culpa nenhuma, afinal é permitido pisar na grama.

No outono, as flores dos ipês roxos caem e forram o chão e sinto-me caminhando em cima de um tapete de flores roxas... uma imagem belíssima e uma sensação transcendental! Como amo o amarelo, se o ipê fosse amarelo o encanto seria maior! Mas mesmo sendo roxo o que vejo faz com que eu mesma me reinvente a cada passo.

Algo que me deixa profundamente intrigada é quando vejo o dono de um cachorro chegando. Às vezes o cachorro é grande, às vezes pequenino e, às vezes, tamanho médio. Sempre belos... amo cachorros! Entretanto, além da corrida deliciosa que fazem quando soltos das respectivas coleiras, por seus donos, parece-me que todos, indiscutivelmente todos se sentem livres para fazer cocô na praça... parece escrito na cara do dono: fique à vontade afinal, a praça é pública!

Praça para idosos, adultos, jovens, crianças passearem ou praça para levarmos o cachorrinho para fazer cocô?! Oh... dúvida existencial! Na verdade dúvida mais ética que existencial.

Aprendi quando pequena que meus atos podem refletir na vida de outra pessoa, de maneira positiva ou negativa. Olha só que responsabilidade. Ninguém vive sozinho. Vizinhos, amigos, parentes... gente, sempre ao nosso lado, sempre conosco... sozinhos jamais, pois somos resultado da nossa relação com o outro. Vivemos em uma comunidade, na qual o coletivo faz parte do nosso cotidiano. Então, não entendo, quando você leva seu gracioso cachorro para passear e, além disto, o leva também para fazer cocô num lugar que é um lugar de todos.

Eu gosto de passear na praça ou simplesmente fazer minhas caminhadas. Cada passo uma surpresa, um sobressalto... quase, ufa dessa me livrei.

Não consigo entender como alguém pode levar seu cachorro para fazer cocô na praça?! Tento e não entendo... Entristeço-me! Compromisso social? Existe? Será que as pessoas sabem disto? Um precisa do outro pra viver, não é?

Apenas um saquinho para recolher o cocô do cachorro... apenas isto. Pronto!

A praça é sua, minha, de todos! Se cada um fizer um pouquinho poderemos sonhar com um mundo melhor, mais gostoso para viver. Sonhar também com um ser humano, mais humano. Um ser humano que reconheça que precisa do outro e que não faz seu caminho sozinho, mas existe com o outro, para o outro e a partir do outro.

Ainda não perdi a esperança na existência de um ser humano, mais humano!

Não quero que pensem que minhas idéias, insatisfações e necessidades de mudança resumem-se ao cocô de um cachorrinho na praça pública, por “displicência” do seu dono. Seria muito simplista e reducionista referir-me ao ato em si e, parar por aí. Na verdade, meu pensamento vai além, evidentemente.

O sonho de um mundo melhor para meus filhos e netos é real. Sei que não depende exclusivamente de mim e sim de todos nós, da sociedade como um todo, dos políticos que elegemos, mas principalmente do nosso bom senso em não nos conformarmos com o que está posto, mas modificar, transformar, reinventar e fazer diferente desde que com respeito e dignidade, sobretudo manter o cuidado com aquele que está ao nosso lado... parente... amigo... vizinho... desconhecido, enfim, seja quem for, humano, animal, vegetal.