Os Pássaros Ainda Cantam.

Nada melhor que ouvir o som dos pássaros numa manhã como essa. Pois é, como se percebe notoriamente no dia a dia da natureza por vezes dita perversa, os pássaros não fazem mais tanta questão de cantar.

Como é bom acordar e perceber que ainda está vivo e livre, com disposição para ir e vir, sentir, ouvir, correr, amar..., ao contrário do pesadelo em que se encontra encarcerado em sua própria consciência avassaladora, amedrontado pelas lembranças do passado torto.

Hoje pretendo correr ao sol, como gosto de fazer, sentindo o mundo e deixando um pouco de mim por onde passar. Não devo nada a ninguém, sou um livre cidadão do universo, pronto para enfrentar a vida e a morte com impassividade estóica.

Acordar vivo é o que me importa, como se renascesse a cada dia, e não há mal que me imponha medo. Medo do que? Minhas atitudes são minhas atitudes, não importa o que pensam ou deixam de pensar. Sou como sou, respeitando, é lógico, o direito natural da vida de um modo geral, e o do próximo, para que não nos defrontemos no decorrer da trajetória. No mais, vivo como posso, sem ânsias, sem angústias, sem pesares nem rancores. Já disse, não devo nada, e minha consciência é meu leme.

Procuro seguir os desígnios que me foram traçados pela minha natureza humana, racional. Afora isso, não me atenho a picuinhas amesquinhadas do dia-a-dia. Não quero saber como o fulano fez isso ou aquilo, ou porque o fulano não disse a outro fulano os motivos que levaram terceiro fulano a cometer tal ato contra um próximo. Não me importa se comem torta ou degustam amoras desidratadas no café da manhã, quibe ou arroz-com-feijão. Não, nada disso me toca. Gostaria que soubessem o quanto sou grato por ser eu, e gostaria imensamente que também se considerassem gratos por serem vocês. Afinal, não poderão ser outrem mesmo. Sejam vocês, mas sejam mesmo, do fundo de suas almas, pelo amor de Deus, originais. Estamos cansados de cópias mal-feitas, contrafações baratas e riscadas. O Mundo anseia por novo, como diz a propaganda. Mas não compre tudo o que possa comprar. Coisas da terra ficam na terra, coisas da alma permanecem eternamente no espírito, arraigadas. Por isso é bom acumular conhecimento a qualquer momento. Não percam a oportunidade de conhecerem a si próprios e o Mundo de um modo geral. É importante.

Sinto meu estômago roncar a fome das onze. É fechar o barraco e ir almoçar. Como é bom chegar em casa e ter um almocinho quentinho a nos esperar! Muitas crianças nunca tiveram isso, nem sabem o que significa a palavra carinho. São experiências indesejadas de uma sociedade distorcida.

Minha vida, não posso reclamar. O Mundo que vejo é-me interessante sob o simples prisma de alguém que o vê e sente e se satisfaz pelo simples fazer.

Ouço foguetes informando que as verduras chegaram nos supermercados. Por aqui é assim. Também podem ser drogas chegando nos arredores da cidade sitiada. A vida noturna por estas bandas é assustadora. Há seres estranhos dispostos a qualquer coisa para satisfazer seus vícios. O vício é o que domina a noite e a juventude atual. Avalio pelas conversas que ouço de crianças de cinco e dez anos de idade, quando xingam os amiguinhos de “viciados”. Como se pode notar, a palavra vício está incrustada em suas cabeças. Seu viciado! Causa a impressão de que quem é viciado possui uma proteção contra as agruras mundanas, que são mais “fortes” e imunes às dores do Mundo. Tanto é que as crianças menores quase que idolatram os mais velhos que sabem que aquele já fez uso de algum tipo de droga, e dizem: já abriram a mente, the doors of perception, são doidões, alucinados, nada lhes pode acontecer..., e por aí vai, até que por fim crescem e dois caminhos sucedem em suas trilhas: ou descambam no mundo da droga, do vício, do mal, do irracional e da morte, ou caem na real e descobrem que tudo aquilo é ilusório, e que a saúde, a tranqüilidade e a razão são o que vale mesmo a pena. À vida longa e ao conhecimento, meus filhos!

Cristiano Covas, 06.07.06.