Vida e Sapatos Desgastados.

Para aplacar o desespero momentâneo, vou fumar um cigarro. Por sorte a vizinhança hoje está alvoroçada. Que bom, pois assim posso fazer minha festinha silenciosa com mais barulho!

Ao lançar mão ao maço e abri-lo percebo que já se foi quase meio maço hoje, fora a diarréia. Quando penso que amanhã me redimirei com o trabalho intenso, caio na real que amanhã é sábado, véspera de feriado, e que não tenho porra nenhuma de trabalho para fazer, nem dinheiro para ganhar. Tudo em vão! E penso em minha utilidade para com a sociedade. Será que nós homens prestamos para alguma coisa no planeta a não ser destruí-lo, imaginando que estamos agradando a algum ente sobrenatural?

Na fumaça e no arrependimento medito: do pó viemos e ao pó voltaremos!

Meus chamados estão sempre sendo encaminhados à caixa de mensagens. Clamo para que o “além” me ouça e perdoe meus pecados.

Que culpa tenho eu em cartório para agüentar todo esse falatório? É certo que terei um dia que descansar a carcaça sob uma lápide gélida de um cemitério qualquer. E que seja num terreno baldio, num cemitério clandestino, construído por um cretino que jamais recostou a poupança para almoçar como gente, num refeitório. Decerto não precisou de dinheiro na vida, e rio de quem se humilhou para tal.

Ah, e estou eu aqui a escrever impropérios de quem aguarda o porvir na esperança de que as coisas mudem! E para quê?

Quando o nada vier quero estar preparado para expulsá-lo a golpes de marreta!

Estou em dia com meus deveres fiscais, cumpri com zelo minhas obrigações de cidadão, mas, no entanto, quando ligo o ar-condicionado, sinto o fecho de minha carteira apertar impiedosamente meu coração. Que coisa miserável!

Serei eu um insano que me imagino capaz? Ou vice-versa?

A loucura desligou o telefone em minha cara quando ainda era adolescente. Ri, e cancelei as ligações.

Quando li que Baudelaire era um roto que remendava seus sapatos com panos velhos, temi por me tornar um igual; não um Baudelaire, mas um roto qualquer que remendasse as coisas com panos velhos. Afinal, Baudelaire foi um francês que só sofreu em vida!

Meus Deus, quando vou me tornar gente e assumir quem eu realmente sou? Quando vou deixar de me imaginar deus em meu pequeno universo? Quando vou assumir esta podridão ululante, este composto químico destinado à desintegração e à morte? “O que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?”.

Deverei ansiar apenas por água, sol, terra e algumas plantas “alucinógenas”, essenciais para minha subsistência! Até quando, não sei! Desta forma, por que hei de ansiar por mais?

Já são quase meio dia de minha existência e até agora não vi nada de extraordinário que pudesse me impressionar a ponto de me fazer descabelar desesperadamente, apesar de estar ficando careca de saber.

Que Deus abençoe os cônscios de seus deveres!

Cristiano Covas, num dia qualquer... 11/11/05

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 09/09/2010
Código do texto: T2487111