Lições de vida ( visitem seus velhinhos)

Nesse feriado fui visitar meu avô. Não sabia ao certo se gostaria de ir lá, a situação dele não é das mais confortáveis. Não tenho muito problema com isso, mas sempre tive meu avô como ponto fraco e sabia que vê-lo em situação complicada me abalaria. Desde que meu avô está internado eu emagreci e, quem não sabe do problema, diz que mudei e não sabe o motivo. Fui com o coração na mão, minha avó iria, mas desistiu uma vez que só podem entrar dois por vez e o cunhado dela iria à visita. Minha avó não está bem desde que começou a internação, a pressão está sempre alta, dezenove por qualquer coisa.

Chegando ao hospital pensei em coisas boas, em coisas legai pra dizer ao meu avô. As coisas boas vieram logo na fila, nunca vi tanta mulher gostosa num hospital. Controlei-me pra não perder a linha, mas nossa senhora... Ficava torcendo que elas também fossem visitar seus vovozinhos, mas certamente se fossem, mataria alguém do coração.

Subo e me informo sobre a enfermaria em que estava meu avô, era no fim do corredor. Na porta sabia que era ali, os gemidos enchiam o corredor. Entro na enfermaria, dou boa tarde a todos os senhores em seus leitos e vejo meu avô encolhido e chorando com a mão no pé. Fiquei completamente sem ação, nunca vi meu avô chorando, não sabia o que fazer. Falei com ele, mostrei as roupas limpas que minha avó mandara, ele reclama que ela não veio, explico e ele fica meio contrariado, já não está no seu juízo.

Conversamos um pouco e entra Tio Nonô. Cabelos brancos, óculos escuros, pinta de garotão apesar de seus setenta e nove anos. O senhor que estava no leito ao lado pede para que eu pergunte o nome do senhor que estava deitado em frente ao leito do meu avô. Aproximo-me e pergunto, ele não responde, olho para os outros e eles dizem para que eu fale mais alto.

- Senhor? Senhor?

- Fala mais alto meu filho, ele não escuta bem.

- SENHOR! EI SENHOR!- nesse momento tento acenar na frente dele para que perceba.

- Não adianta, ele e cego. Encosta nele e pergunta o nome.

Encostei e fiz a pergunta, ele responde Zé Clarindo. Olho para o lado e me espanto, um moleque de no máximo dezesseis anos na enfermaria de vascular. O que teria ele? Volto para meu avô e seu irmão brincava com ele. Meu tio falava como se meu avô fosse criança, com o carinho de irmão mais velho. Meu avô por sua vez assumiu um ar infantil, o do irmão mais novo ouvindo os conselhos do mais velho. Nosso bom velhinho já não comia, não bebia, dizia que não tinha vontade. Conversamos e pedimos para que ele comesse algo, bebesse uma água pelo menos. Meu avô relutava.

As outras visitas chegam, pessoas da igreja e é sempre bom ouvir uma palavra de conforto. Ali ninguém queria converter ninguém, apenas explicavam que existe conforto em uma força maior, que cada um podia entender como bem entendessem, eles falavam de Jesus. As conversas rolavam baixas, chega a mãe do menino, ela devia ter no máximo trinta e dois anos. Uma mulata linda, ai é que é a derrota. Mulata, bunduda e possivelmente balzaca, pronto, a receita do Símio. Chega ela toda toda, perguntando:

- Quem são seu Joaquim - o nome do meu avô é João.

- Meu irmão e meu neto.

- A pintinha no rosto é igual a sua...

- É ai, ta solteiro. Olho encabulado pro meu avô.

- E saiu à família, tem pinto grande- completa meu tio.

- Assim que é bom- disse a mulata se afastando e rindo.

Meu tio e meu avô riam da minha cara. Estava calado agora, só os dois irmãos batiam papo. Num dado momento, meu avô volta a sentir as pontadas no pé. Depois da vascularização, ele só sente a dor em dois dedos, o outro já não dói, um bom sinal. Começo a reparar mais em volta, dali o meu avô era o melhor. Os dois que estão a sua direita são amputados, o da frente usa fralda, é cego, ouve pouco e nem sempre tem visita, o garotão rasgou o braço socando uma janela. Meu tio e eu mostramos as vantagens dele em relação aos colegas.

Na hora de ir foi muito triste. Meu avô já não anda muito uma vez que está com um dos pés enfaixado e cheio de feridas. Deixamos ali meu avô com aquela cara de coitado, a vontade é de voltar ou de levá-lo pra casa. A enfermaria começa a feder o senhor cego fez cocô. Parto em meio a uma legião de parentes, pessoas que foram ali visitar seus doentes. Seguro o choro, depois que fiquei adulto não me lembro de ter chorado a não ser nas vezes em que meu avô esteve internado. Normalmente sou uma muralha perto dele e da minha avó, não demonstro, mas depois não aguento.

No caminho vou pensando em todos aqueles velhinhos ali, inclusive no cego. O cara estava abandonado ali, sem parentes e na escuridão eterna de sua cegueira. Como deve ser triste você chegar nessa situação, usar fralda, estar cego e depender da ajuda de pessoas que você não conhece. Quantos velhinhos não estão assim? Todos fazem coisas boas e más, porém, creio que chega um momento da vida em que isso não faz diferença. Um idoso é uma biblioteca gigante, já viu e fez muitas coisas, sempre há o que aprender com eles e merecem respeito.

Já recomposto chego em casa. Tinha planos de sair e apesar de ficar abalado com a visita, não me abati. No ônibus estava falando ao celular sobre a visita com uma amiga. Quando desliguei a mulher que sentei ao lado pergunta:

- Você está com parente internado?

- Sim.

- Quem?

- Meu avô. Está no Salgado Filho. Também tem parente internado?

- Minha avó. O que tem seu avô?

- Isquemia, na perna.

- A minha avó está com câncer. O médico disse para a minha mão que minha avó não passa dessa noite. Minha mão chamou a família toda.

- Po... huhum... Que chato, é uma pena.

- Não pedimos transfusão e nem que a entubem. Vamos deixá-la partir.

- Difícil né. Achamos que estamos preparados para a partida de nossos entes, mas quando chega a hora...

Um absoluto silêncio se instalou. Ela puxava uns assuntos que remetiam diretamente a amargura que estava sentindo, eu a compreendia. Ela falava sem me olhar, seus olhos eram duas bolas de fogo. Contou-me sobre sua família, sobre sua avó e disse que alumínio e o teflon são prejudiciais. O alumínio causa Alzheimer e teflon câncer, sua avó tinha as duas doenças e só usava panelas feitas dos referidos materiais. Quando ela desce do ônibus, ela olha pra mim com um olhar muito terno e diz que meu avô vai melhorar. Eu lhe retribuo com um olhar solidário, agradeço e desejo-lhe força.

Começo a pensar que não tenho motivo pra reclamar, nem eu e nem meu avô. A isquemia não vai matar meu avô, talvez crie algumas dificuldades, mas nada que não possa ser superado. To doido pra folgar novamente num dia de visita, quero ver meu avô.

Símio
Enviado por Símio em 09/09/2010
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