FREUD EXPLICA...

Prof. Antônio de Oliveira

aoliveira@caed.inf.br

Conhecido como o senhor das Diretas Já, o ex-deputado Ulysses Guimarães se destacou à frente dos primeiros momentos de nossa história contemporânea, ao lado de Tancredo Neves e outros democratas. Ao se despedir da vice-presidência de José Sarney, declarou o que sentia no exercício do poder. “O exercício do poder é, para mim, um verdadeiro orgasmo”.

Não tivesse sido dita por personalidade séria e tão ilustre, a frase, de conotação dúbia, mais que uma frase de impacto, teria dado margem às mais diversas interpretações. Já adianto que fico aqui com o entendimento de orgasmo como gozo, gozo inebriante, embriagante, alucinógeno e alucinante. Talvez pudesse ter sido dito, em sentido figurado, que o exercício do poder é uma cachaça.

Um ex-deputado mineiro escreveu que se sentia frustrado, uma vez não reeleito, porque seu filho, que nem candidato era, passou a receber mais telefonemas que ele.

Quanto à figura usada pelo então recém vice-presidente da República, essa passeia desde os prostíbulos até as mais sublimes reflexões de um Tomás de Aquino. Santo Tomás, com efeito, chegou a indagar como seria esse êxtase antes do pecado original, em estado de natureza pura, não decaída. E João Mohana escreveu: “Na verdade, meu amigo, se o Sol é a sombra de Deus, como Miguel Ângelo gostava de definir o Sol, o orgasmo é a sombra do céu”.

À parte tais culminâncias místicas, o conceito corrente, e até banalizado, de orgasmo é o de culminância gozosa mesmo, de incrível êxtase. Com todo o respeito, imagino que copular com o poder deve ser, de fato, muito gozoso, gozo a que nem os políticos idosos deixam de ser atraídos. Sem dúvida, a declaração de Ulysses Guimarães foi feita praticamente faz tempo, mas pode criar certa perplexidade na cabeça dos historiadores: numa nação onde o exercício do poder foi comparado ao orgasmo pelo grande mentor da Constituição vigente (não seria sublime comparar a múnus público?), resta saber qual a interpretação pertinente e exata, se a chula ou a sublime. Como já disse, recusando-me a optar pela primeira, fico com a segunda, porém, como mineiro, desconfiando.

Desconfiando inclusive porque, se de um lado, infeliz legislação, anos depois de promulgada a Constituição cidadã, em 1988, chega a proibir programas de rádio e TV de veicular sátiras, charges e episódios humorísticos que envolvam candidatos, por outro lado há candidatos, eles próprios, fazendo piada, como no caso do bordão repetido pelo conhecido humorista e candidato Tiririca: “Vote em Tiririca. Pior que tá, não fica”, que declara também não saber o que um deputado faz. Mas aí, sim, pode ficar muito pior do que está. E não é que a gente vai ficar tiririca da vida?!

Quanto ainda a não poder fazer piadas envolvendo candidatos, além de possivelmente inconstitucional, tanto que foi concedida liminar favorável do ministro Carlos Ayres de Britto, a lei, em si, já é uma piada porque, desde os antigos, o humor, praticado pelos operários do riso, é uma forma de castigar democraticamente os costumes: “Ridendo castigat mores”.

Por fim, deixo dois recados. O primeiro, de José de Alencar, que identifica a política, em Senhora, à “estrada real da ambição”. E, de Mia Couto, em Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra: “A política é a arte de mentir tão mal que só pode ser desmentida por outros políticos”

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 10/09/2010
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