Pé de Pó.

Quando chegam os tempos de poeiras na velha e boa Poeirópolis, a populaça logo prepara a água e a borracha para apagar a sujeita que impregna suas almas.

Desde os primeiros moradores, a percepção inicial voltou-se para a questão da poeira. E logo foram abrindo o bico:

“Uai, brimo, que merda de terra doida é essa – diziam os incrédulos – que parece que quer enterrar a gente antes da hora?! Parece que nem quer esperar a morte...”.

Hoje em dia, já cidade com pouco mais de quinze mil habitantes, estão acostumados com a situação da constante espanação, esfregão e iimpa-chão. E a mulher, em dia de arrumação, levanta aquele poeirão e deixa a criançada alegre, narinas escorrendo e irritadiças, sendo que o paizão, um típico paizão do interiorzão, em cidade com botecos em expansão, chega meio que ressabiado, dando bafão, pisando alto e gritando com a muié o porque de tanto poeirão, lascando logo um tapão na mesa, para calar o bico da molecada de cão.

É como dizia o Carlos Drummond de Andrade: Êta vida besta, meu Deus!

Lembro-me vagamente dos dias em que comecei a me dar conta de que realmente os tempos não eram de pouco poeira. Foi por volta da puberdade, quando em sua maioria os jovens se preocupam com perfumes, amores juvenis, roupas novas e belas. Era uma tortura ignominiosa quando, estando pronto para um encontro, esbarrava num móvel e sujava a calça. Hum, dava uma raiva desgramada, ainda mais quando a roupa era a única propícia para a ocasião.

Mas, como o tempo não marca no ponto, os ânimos esfriam-se e os valores direcionam a outros rumos. Hoje em dia, por exemplo, já acostumado com a poeira escondida em todos os cantos da minha vida, simplesmente ando cauteloso pelas estradas.

Terra seca, pulverizada, qualquer matéria dividida em partículas extremamente pequenas: poeira. Aqui sim somos especialistas nisso. Afinal, vivemos em Poeirópolis, a terra do cão sem dono!

Quando nos tornamos adultos (digo nós, por ser a maioria que faz isso), ao sairmos daqui para procurar “vencer na vida”, as pessoas dos outros lados costumas nos apelidar “os pé-sujo”, “pé marrom”, “pé de pó”, “os poeirudos”, os pão duros”, além de outros adjetivos os quais não é conveniente aqui expô-los, podem haver crianças lendo este texto.

E assim, no decorrer de nossas andanças por outras bandas, principalmente quando estacionamos em algumas cuja limpeza é uma questão de honra, ou neurose, nos sentimos como peixe fora d’água, Nossa vida está diretamente ligada à poeira, a poeira nossa de cada dia que nos dá tosse!

Por outro lado, os estudiosos atribuem grande importância à presença da poeira na vida poeiropolense, pois, como dizem, as poeiras servem para diminuir a intensidade de radiações solares e terrestres, o que, consequentemente, influem na temperatura do ar e na formação de nuvens, capazes de produzir chuva. Contribuem, ainda, para a dispersão da luz solar, e que essa, ao atravessar uma região com grande concentração de poeira, desembaraça das radiações com comprimento reduzido de onda, passando de branca a vermelha, que se mantém por ser a de maior comprimento, fenômeno que se constitui um dos fatores determinantes da cor vermelha do céu ao pôr do sol, fato que atrai hippies, místicos e estudiosos de várias regiões do globo para apreciar o fenômeno, que ocorre quase todas as tardes, num ponto eqüidistante, porem privilegiado, chamado Praia Artificial Cleide Butão. Venham conferir! Mulher bonita e gostosa não paga!

Cristiano Covas, 16.09.04.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 10/09/2010
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