LAGARTAS DE MILHO

Era uma tarde... Trabalhava numa instituição de pesquisa, a pouco mais de um ano como contratada. Uma de minhas colegas de trabalho estava, naquele dia, agitada, triste e, peguei-a disfarçando as lágrimas, em outro momento, num canto qualquer do prédio. Aproveitei para perguntar-lhe se podia ajudar de alguma forma. Ela vendo que não havia ninguém mais, por ali, para nos ouvir, (pois deveria ser a hora do almoço), e precisando desabafar, começou a contar-me tudo o que lhe acontecia. Ela devia ter uns vinte anos e dizia que naquele momento estava com a mãe muito doente, não tinha pai e com o pouco que ganhava sustentava a casa e agora as despesas com a doença da mãe. Sem falar que os afazeres da casa estavam se acumulando, visto que tudo aguardava por ela. O irmão mais velho, que poderia lhe ajudar, estava desempregado e fazia pouco caso de conseguir emprego. E para completar o caos completo, o namorado havia se desentendido com ela e resolvera dar um tempo. Tempo este que para ela se expressava mais como um adeus discreto. Resolvi então contar-lhe uma pequena historia que vivi. E ela pôs-se a me ouvir.
Eu devia ter uns oito anos. Meu pai chegava ao fim da tarde, quer dizer, não tenho certeza do tempo do dia. O fato é que ele chegou com os frutos que colhera de seu pequeno roçado. Em fim, fôra o momento da colheita! Nas mãos estavam inúmeras espigas de milho, feijão, mandioca e batata doce. Foi uma alegria! Ainda mais, porque as espigas de milho traziam presas a elas pequenas espigas que nos serviriam de bonecas. Meu pai nunca podera nos dar até então, bonecas que possuíssem cabelos e aquelas espiguinhas tinha cabelos muito lindos. Umas os tinham loiros, outras ruivos, castanhos, e outras pretos. Ele sabendo de nossa ânsia, nos deu logo aquelas bonecas de milho e fomos felizes brincar com elas: eu e minhas irmãs. Precisávamos aproveitar aquele pequeno tempo em que elas durariam, pois sabíamos que dalí a algumas horas elas estaria totalmente murchas e acabadas. Estavam arrancadas da seiva que as alimentavam. (Minha colega, então, me olha tentando entender o que a historia dela tinha a ver com a que estava contando. Fiz-lhe um gesto de calma e continuei). Em certo momento senti vontade de ir ao quintal. Chegando lá, vi que pelo chão havia várias lagartas caídas. Quase todas mortas, por entre as palhas de milho, ainda por serem recolhidas. Uma, porém, estava viva, mas havia inúmeras formigas que lhe cravavam os dentes. Ela, na ânsia de viver, tentava por todo custo livrar-se das formigas. Pulava de um lado para outro, dava incríveis cambalhotas, mas quanto mais se estrebuchava mais as formigas se cravavam nela e apertavam os dentes em seu pequeno corpo. Ela parou e, então, algumas a deixaram. No entanto, no desespero de livrar-se de uma vez por todas daquelas impiedosas formigas, a pobre lagarta se debatia incansavelmente, mas nada dava jeito. Resolvi tomar coragem. Peguei a lagarta na ponta dos dedos e coloquei-a em minhas mãos. Logo muitas formigas fugiram. As que insistiam, puxei-as uma a uma, o mais rápido que pude. Depois levei a valente lagarta para uma plantinha bem longe das formigas. Lá espirrei um pouco de água nas folhas. Talvez a lagarta pudesse estar com sede. Em fim, o que percebo é que muitas vezes na vida nos encontramos como aquela lagarta, ou as outras que morreram por terem desistido, por não terem fé suficiente. Muitas vezes estamos cercados de problemas que parecem nos mordicar de todos os lados. E quanto mais reclamamos, nos debatemos com raiva e revolta, mais eles se agigantam e nos cravam seus dentes. Talvez a lagarta que sobreviveu tivesse a fé tamanha que conseguiu emitir um pedido de socorro no fluido cósmico sendo ouvido por mim que me desloquei ao seu encontro. A prece que fazemos a Deus também funciona dessa maneira. Sozinhos, algumas vezes, não conseguimos, porque há certos momentos na vida que pelo ângulo do nosso olhar angustiado não enxergamos soluções, e outras vezes parece não haver nenhuma mesmo, caso não aconteça uma intervenção divina do Deus de amor, Pai de todos nós, para nos auxiliar e nos salvar. Talvez eu tenha sido uma espécie de Deus para aquela pequenina lagarta. Confie então em Deus e faça a sua parte. (Minha colega, contendo as lágrimas disse: Marta, ninguém te merece).
Até hoje não sei em que sentido ela me disse aquilo. Sei apenas: parecia mesmo que a expressão de suas palavras denunciava que eu havia remexido suas feridas. Senti como se ela se doesse por dentro. Mas para se curar certas feridas às vezes é preciso espremê-las. E já no outro dia, ela estava bem melhor. Seu sorriso, ainda que meio tímido, já florescia em seu semblante. Era um recomeço. No entanto, não pense o(a) prezado(a) leitor(a) que eu ajo sempre assim, de forma serena. Aquela menina, que observou tudo aquilo, ainda mora em mim e guarda, em sua mente, aquela lição. Mas a mulher que a sucedeu, algumas vezes vira lagarta de milho e se estrebucha em meio aos seus problemas, para logo ser pega pelas mãos daquela menina, por uma intervenção Divina.