TRISTE COVARDIA

Outro dia lembrei-me do grande poeta Cruz e Souza, mais precisamente de um verso contido em um de seus inúmeros e belos poemas, que, referindo-se às crianças, diz: “cintilam como estrelas e florescem como esperanças”. E pus-me a matutar, comparando a sensibilidade do poeta com a rudeza da vida das crianças habitantes nas favelas, retratadas na reportagem intitulada “Falcão, Meninos do Tráfico”.

É que o cintilar das crianças do tráfico só se percebe no cano das armas de fogo que disparam e matam quaisquer esperanças. Esperanças que nunca florescem na triste realidade que confrontam: fome, exploração, violência...

As crianças vítimas da miséria, deixadas à própria sorte, presas fáceis do “tráfico” ou da prostituição, não são admiradas como crianças que deveriam ser.

Não brincam, não estudam, não são amadas!

Já não são crianças!

Não cintilaram como as estrelas, não floresceram nas esperanças e, muito provavelmente, jamais saberão que um dia foram sublimadas pelo poeta.

E eu, como cidadão, o que fiz? Nada. Absolutamente nada capaz enfrentar este tenebroso quadro social. Nunca passei da intenção (se é que tive alguma que fosse séria) e compro minha consciência (compro?) dando uns trocados ao pequeno malabarista no sinal de trânsito.

Triste sorte dessas crianças!

Triste covardia minha!

Hegler Horta
Enviado por Hegler Horta em 26/09/2006
Código do texto: T249794