Foto: Boston by the Charles River - Sandra Mara

Boston's Four Seasons


By Sandra Mara

Penso que desde que aqui cheguei, houve uma interação mais que íntima entre nós. Amo meu Brasil, amo meu Ceará... amo Rio, Sampa, Recife, Natal... mas acho que, em se tratando de amor, os sentimentos não são excludentes, muito pelo contrário. E em relação à Boston posso dizer que temos um caso...um caso conturbado de amor. Boston é por assim dizer... um tanto eclética, cosmopólita, como toda grande metrópole. Mas ela tem também uma magia especial, que me encanta e fascina...é uma cidade meio "mãe". Digo isso por experiência própria. Há uma atmosfera acadêmica no ar, além da Harvard, MIT, Boston University que são, por si só, ícones quando se fala de grandes insttuições de ensino, há inúmeras outras universidades e centros de pesquisa, o que fazem da cidade um campus a céu aberto. Tudo gira em torno dos visitandes que vêm de todas as partes do país e porque não dizer do mundo inteiro para viver por aqui. Diante desse cenário, a população torna-se flutuante de acordo com a época do ano. Durante o período letivo, o número de habitantes chega a triplicar. E assim, Boston vai adotando filhos e filhas de todo o mundo. Pois é... Eu sou uma dessas filhas que a cidade acolheu. Saudades de casa, sempre bate, mas também sei que quando eu voltar, uma parte muito importante de mim ficará aqui. Uma parte de mim que cresceu aqui, que aprendeu a sobreviver diante da indiferença dos outros e nem por isso deixou de crer que seria possível ser feliz. Uma parte de mim, que recuperou sonhos antigos, que renovou as forças, que decidiu crescer, olhar pra frente e continuar caminhando sempre na direção da luz. Hoje, são tantos os cantos que me encantam. Acima, há uma foto de um dia lindo de verão... um dia desses em que eu decidi sair por aí e caminhar, assim sozinha mesmo. Faço isso sempre...saio e vou paquerar... Paquerar a cidade, a natureza, as artes... Adoro fazer caminhada alí ao lado do Charles River... De um lado o concreto da expressway e do outro... a paz da natureza. Um parque no coração da cidade...um coração que pulsa e vibra e que recebe a todos de braços abertos, igualzinho a vida real. Afinal, nossa vida apresenta as mesmas contradições... estamos sempre fugindo para a nossa floresta encantada quando a selva do individualismo torna-se insuportável. 

E os Cafés?
Ah, Starbucks sempre será o meu refúgio, o meu e de tantos outras almas peregrinas. A música, o ambiente, o jazz, o blues e acreditem ou não...a Bossa. Isso mesmo, é lá que reencontro Tom, Vinícius, João Gilberto, Elis e tantos outros imortais da nossa bossa. Se no verão, nos é possível sentar e saborear o café ao ar livre, no inverno, tem aquela lareira quentinha. Nada mais convidativo num daqueles dias em que a neve nos impede de ganhar as ruas. Um cappuccino gostoso, um bom livro ou mesmo o computador, ou quem sabe... até ficar só a tôa...assim, de boa como estou agora. É...definitivamente, esse é o lugar que guarda e acalma todas as minhas ansiedades... esse sempre será o meu cantinho. Ainda que eu tentasse explicar, não conseguiria dar vida e imagem ao sentimento. Tem um não sei quê de cumplicidade...de proteção, de sossego... de aconchego. É assim... não há definição...só emoção. 

Agora, neste exato momento a mãe natureza está agindo lá fora... Pintanto o sete. As árvores vão ficando multicoloridas, tudo vai ficando encantado para receber o inverno. E os ventos vão soprando carinhosamente as folhas, dando vida ao ballet de outono. E elas voarão longe. O tatame de ouro dará então lugar ao tapete branco do inverno bostoniano. É... Vai faltar calor...vai sobrar frio... vai doer o corpo... e a alma também... mas aqui dentro ainda rola um blues...

Já sei que me renderei aos encantos de Clapton...já sei que vou chorar... já sei vou ter ataque de saudade, de carência, de solidão...já sei que vou voltar a crer que papai noel existe, mas que perdeu meu endereço...já sei que vou ter que comer pizza congelada em dia de tempestade... já sei que vou rezar todos os dias pedindo Deus que faça o inverno passar rápido... já sei... e sei porque é sempre assim...e no fim...vou querer correr e me esconder nas motanhas, vou patinar... e ainda vou reclamar que não deu tempo curtir todas as atividades de inverno...que poderia ter ido ver aquela exposição tão esperada, ter visto aquele musical... que deveria ter aproveitado mais, que o inverno anterior fora pior...que esse nem estava tão ruim assim e que eu reclamo demais e fico arrumando desculpas para não sair... já sei que após acordar, vou correr para fotografar o primeiro dia de neve, quando tudo ainda está limpinho... quando as cidade fica com ares de lugar encantado e eu não vou querer perder nem um clic... já sei...E como eu sei!

E...por fim, como num piscar de olhos... a transformação acontecerá. É a primavera que chegará  sorrindo e saudando o amor. Acho que agora entendo porque ela é chamada a estação do amor. Passando o inverno inteiro brigando com os próprios sentimentos e, de repente, não mais que de repente... sentimos a emoção de assistir a mágica do renascimento. Os sentimentos se renovam dentro de nós, uma estranha sensação de gratidão e respeito a cada novo dia que chega, toma conta de cada um de nós. E tudo renasce com mais força, completando assim o ciclo natural da vida.

E aqui, a gente vai ficando...no inverno ou no verão...Boston, de alguma forma encontra um jeitinho de nos abraçar e nos guardar bem dentro do seu coração.... Agora, nesse minutinho, lá fora, as ventos sopram...as árvores estão de roupa nova... o cappuccino me esquenta o corpo, Clapton e seu blues me aquecem alma... E eu daqui...assisto tudo à meia luz, aguardando ansiosamente por mais um dia. Por enquanto... resta-me a alegria de saber que mais um dia foi vivido e que eu tenho a felicidade de poder agradecer sempre.

Muito obrigada vida minha... muito obrigada Pai Nosso... muito obrigada...por esse e por todos os dias que ainda virão.

Boston, Outono de 2006
09-26-06
09:30 pm