FUMANDO ESPERO...

Não se deixem enganar pelo título acima. Não sou fumante. Aliás, se vierem me pedir dinheiro para comprar bebida, sou capaz de dar; para comprar cigarro, não.

Na década de 50 era inadmissível que os homens não fumassem, fazia parte do charme masculino. Difícil encontrar um adulto sem o cheiro acre do fumo impregnado nos dedos, no hálito e nas roupas. Todo homem deveria andar com um maço de cigarros no bolso da camisa. Aliás, parece que bolso de camisa foi feito especialmente para comportar um maço de cigarro.

Meu pai enchia o quarto de fumaça, ficava aquela névoa toda e ninguém reclamava. Era considerado coisa normal, o mesmo que homem usar suspensório e mulher usar anágua. As vamps de Hollywood deitavam-se languidamente num sofá aspirando fumaça por uma longa piteira. Anúncios de décadas anteriores informavam aos consumidores que o fumo era benéfico à saúde, vejam só. Fumar era um hábito tão saudável quanto nadar ou ingerir legumes. Acho que os fabricantes de cigarro até hoje estão convencidos disso.

Para se ter uma idéia da influência do cigarro na vida cotidiana, havia até músicas que o tomavam como tema, como, por exemplo, o tango de Carlos Gardel, cuja versão era sucesso por aqui na voz de Dalva de Oliveira: “Fumando espero aquele a quem mais quero...”.

Hoje, pelo menos, esse quadro está um pouco diferente. Mas na gloriosa luta contra o fumo acho que se deve abrir exceção para três ou quatro casos.

Aquele ajudante de pedreiro, solitário, morando num quartinho alugado, cujo único prazer na vida é ouvir o radinho portátil e fumar um cigarrinho. A velha costureira, que ainda resiste ao reinado do prêt-à-porter, sozinha, efetuando seus plissados e pespontos na antiga Singer (conheço esse vocabulário de ateliê porque minha mãe era costureira, sei até pregar botão), parando de vez em quando para combater a ansiedade com uma tragada no cigarro. Aquele infeliz aposentado, inativo, desanimado da vida, recebendo uma pensão insuficiente para os gastos, que passa seus dias num canto de mesa fumando pachorrentamente.

Esses, sim, pode-se dizer que fumando esperam. Esperam o quê? Que a situação melhore, que termine a violência, que o nosso dinheiro vá parar nos lugares certos e necessários e não nos bolsos fundos de alguns? Pois, por enquanto, continuem fumando...

Hilton Gorresen
Enviado por Hilton Gorresen em 19/09/2010
Código do texto: T2507159
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