Sapolândia

Wilson Correia

Na boca da noite chego ao brejão onde sapos e rãs coaxam incansavelmente.

É como se eu estivesse brincando de estátua porque paro e me congelo ao saber que os meus ouvidos que ouvem esse coaxar são semelhantes àqueles que ouviram a mesma melodia há zilhões de anos antes de mim.

Não é de agora que qualquer coisa que me plugue ao eterno me dá uma vertigem de não saber voltar. E isso não resolve nada porque eu também não soube ir. De repente, me vejo lá, no meio da sinfonia coaxante de sapos e rãs que diuturnamente estão ali, executando a mesma melodia de eternidade infinda e doída.

De que natureza é essa dor?

Ela brota tão-somente do ato de existir?

Por que trezentos anos atrás eu não estive aqui para ouvir essa canção?

Por que quinhentos anos à frente eu não poderei estar aqui para ouvir essa harmonia que me enche de encanto e de pavor?

Onde o remédio para essa certeza sobre o eterno parco presente a viver?

Indiferente ao meu dilacerar infindo de indagações, o coaxar continua avassalador ao me jogar contra o tempo, o sentir e o pensar.

Que mais além de tudo isso posso eu?

Não posso nada. Posso dizer que sou nada.

Apenas constato.

Essa fortuna me parece o tudo a mim reservado e com o qual tento amealhar alguma alegria.

A vida sem ritmo e afinação seria como o dia abandonado pelo sol: completamente incaptável a olho nu.

Contrária a isso a vida tem som.

Pode perfeitamente ser acomodada nos ouvidos e neles aquecida pelo grave e pelo agudo que atravessam a noite que vem e o dia que acabou de ir.

Serei eu um mero passageiro do tempo convencional?

Deve existir um maestro?

Não?

Como então a coaxaria se afina e dá show?

Vai saber...

De repente, esse som não vai além de um acaso incausado...

Por que um maestro amaria a dissonância?

Essa dor que agudiza gravemente o senso de que o não significado pontifica entre uma noite e outro dia?

A ligeireza da vida não me projeta além.

Apenas me entrego ao coaxar de sapos e rãs.

Entro na melodia.

Conformo: sou o quanto dura a audição.

Depois de tudo isso, a surdez será nosso reino e nosso lugar.

Enquanto essa realidade não vem, a mim me cabe o sentir e o pensar...