Outros Eus.

Hoje, tentado mais uma vez descobrir-me, pois não sei quem sou, vi-me nu na praia às três da tarde. Saí correndo, mas de nada adiantou, todos já haviam me visto e a conversa corria solta.

Por estas plagas os sonhos nascem mortos, ou natimortos, como queiram. Liguei, olhei pela janela, ululei, arranquei meus restos mortais, mas nada mais me foi válido, nenhuma extração vã se quer surgiu diante minhas retinas “fatigadas”.

Minha grana se esvaiu antes mesmo de comprar o leite das crianças nordestinas.

Caras fastidiosos desvirtuaram meu comportamento com suas músicas ensurdecedoras.

Por mais que o ser humano em sua jornada solitária pelos tempos ansiasse com sua imaginação descobrir os mistérios que rondam vida e morte, no fim tudo levaria ao insucesso. Só se descobre a respeito da morte morrendo, e, como estamos fartos de saber, só se sabe morrendo.

Podem botar fé no que quer que seja, santos, anjos e demônios, que no final baterá à nossa aorta a resposta: o segredo da vida é a morte! Tim, dom!

Bebo os restos dos vinhos de Rimbaud, abandonados em garrafas deixadas em becos sem saída. Com isso, procuro matar-me aos poucos vivendo muito.

Veículos “alienígenas” rondam a rua cujo prédio encontro-me. Penso em jamais me tornar vítima de algo ou alguém, e recordo-me de Raul: Tuas palavras não repercutem em nada!

A vantagem de estarmos vivos é o fato de querer-nos bem quando precisarem de nós, pois, quando se está “inválido”, no sentido extremo da palavra, o exemplo de uma mãe não vale nada, não existe e nunca existiu.

Duas garrafas de vinho tinto seco barato, algumas cervejas mornas, cigarros, pigarros e uma noite mal dormida. A liberdade sonhada de outrora que nunca chegou.

Nunca precise de alguém quando não é o momento. Saiba “sentir” a hora, como crítico único que és de ti. Um bom livro em uma noite fria, regado de vinho, é a companhia almejada por sábios. Madrugadas varadas não salvam a lavoura.

Vi num noticiário: em vida tumultuada, ser humano perde para a morte.

A primeira coisa que um ser humano quer fazer é ligar para algum conhecido informando sua morte, a própria. Coisa triste morrer sem deixar recado. Pior ainda são os que morrem sem deixar vestígios; passaram como se não tivessem existido. Caso do Rubens Paiva, pai do Marcelo. Traumático.

Cada qual caminha com sua verdade debaixo dos braços. Cada um com seu deus que lhe dá razão. Se dormi mal, não é porque fui negligente com meu ser, mas sim porque contrariei os ditames do deus próximo, que reza, “ajudarei somente o que cedo madruga!”. Há ainda o risco da prisão dos homens para aquele que não seguir os preceitos.

O importante é não perder a vergonha na cara desonrando inerte os que travam por você. A luta tem e deve ser sempre personalíssima, não despejando sobre outrem o fardo de sua derrota.

Mérito àqueles que entregam aos próximos suas próprias glórias, como o fizeram Fernando Pessoa em relação a Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, sem mesmo existirem de fato, Platão em relação a Sócrates, Francis Bacon em relação a Shakespeare e Maria de Magdala em relação a Jesus Cristo.

In casu, citaríamos vários passantes do planeta que se ofuscaram em prol da discrição. Bons homens os que se reconhecem em si como meros compostos químicos destinados à desintegração e à morte, feitos os demais. Merecem nosso respeito.

Aos superiores, as batatas!

Cristiano Covas, num dia qualquer....

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 21/09/2010
Código do texto: T2511088