SAPOS E PIÁS DE BANHADO

SAPOS E PIÁS DE BANHADO

O rio das Antas vivia um tempo de águas límpidas. Ganços,marrecos,lavadeiras...E,como não poderia faltar:"Os piás de banhado".Êstes ,à quem sempre me integrei,nada mais eram que um bando de moleques que passavam a maior parte do tempo dentro d ´agua, fanatizados ao ponto de esquecer até a hora das refeições.Dos muitos quintais delimitados pelas barrancas, vinha a abundância de frutas capaz de suprir em muito a questão alimentar.Daí o porquê de não retornarmos pra casa onde certamente alguma tarefa nos aguardava.

As margens dos arroios,apinhadas de varas de pescar,traziam a generosidade das amoras,ameixas e outras frutas,que entre um mergulho e outro eram colhidas ,clandestinamente,e saboreadas com o doce gostinho do fruto proíbido.

Tínhamos narizes queimados de sol e a nhaca de banhado encalacrada na pele.

Como prevenção,antes das costumeiras encrencas ao chegar em casa,descobrimos uma forma de camuflar o asco de lama esfregando-nos em folhas de cidró cheiroso dando um toque alavandado ao corpo.

Piás de banhado sempre mostraram-se experts nas "toqueadas", termo utilizado para definir a tática de pegar o peixe,manualmente,em suas respectivas tocas.Metíamos as mãos entre as raízes submersas,nas barrancas lamaçentas e vibráva-mos com a proeza de agarrar os escamados em suas moradias.Acompanhando a façanha,um bando fazia até torçida pelas margens do rio.

Sol de dezembro...Sementes de branquinhos estourando à beira d´agua....Piazada em alvorôço.Haviámos toqueado um grande trecho do rio até que,meu primo e eu,resolvemos entrar no potreiro de dona Júlia por onde havia um pequeno desvio do riacho.Passamos rapidamente pelas tocas conhecidas,atentos porque a polonesa não permitia o ingresso de ninguém em sua propriedade.Não tínhamos conseguido nada até o momento em que Luiz,deparando-se com um buraco entre as touceiras de margaridas,grita:

_Aqui tá cheio de peixe!

Foi o suficiente para que minha arrogância,devidamente exposta, fizesse com que eu tomasse o seu lugar dizendo-lhe:

_Deixa comigo!...Vou pegá-los e depois dividimos.

O safado, sabendo o que viria pela frente não pestanejou,deixando-me livre para a tarefa.

Meti a mão e percebi um volume grande dos supostos peixes no fundo da toca.Sentei-me na lama,cruzei as pernas numa posição de quem vai meditar e puxei a "peixarada" pra fora.

Minha gente!...Nunca vi tanto sapo em tôda a minha vida.Vieram pra cima de mim sapos amarelos,marrons,esverdeados,pintados,até sapos transando!...

Luiz,o diabólico,ria de orelha a orelha,pulava e chamava o resto da cambada pra assistir a cena.

Pasmado, eu,fiquei ali.Numa espécie de transe.Boquiaberto,perdido...

Foi o maior susto de que me lembro nos meus tempos de piá.Dêsde então,tenho aversão,horror,pavor...Pelos anuros de pele enrugada.rs...

O tempo correu,virei chacota entre os "banhadenses" e cultivando a ira aos pobres coachantes dos arroios.

Colégio São Vicente.A figura que vos fala vive agora o auge de seus 17 aninhos e os "coleguinhas de escola" conhecem o episódio do potreiro de dona Julia,relembram e dão ainda boas

gargalhadas.

Aula de português.Padre Marcelo,em tôda a sua elegância e mineirice,fala sobre Guimarães Rosa.Num dado momento,ordena para que peguemos os cadernos para algumas anotações.

Abro o zíper da pasta na parte debaixo da carteira escolar.

A maleta parece se mexer.Maletas não se movem,penso com meus botões.

A minha não só mexeu-se,como vomitou de seu interior um majestoso sapo colocado carinhosamente pela galerinha dos antigos piás de banhado,antes do início da aula.

Aquele bicho horroroso caiu sobre a minha perna e tentando equilibrar-se agarrou-se às minhas calças.

Nem preciso dizer do escândalo que promovi.Diriam nos tempos atuais que "soltei a franga" ,literalmente.

Uma vez mais servi de graçinhas por um longo tempo.Até o padre,todo compenetrado,sentiu-se no direito de tirar uma casquinha em cima de mim, com aquele sorrisinho caracteristico que se disfarça atrás do punho fechado sobre a boca

.

Tomei a decisão de contar esta história depois de ler o brilhante texto da Maria Olímpia falando de seus mêdos.

Embora o meu relato esteja longe do brilhantismo da grande escritora,tem a finalidade de levar o meu desabafo e o meu veemente protesto:

Tenho verdadeiro horror à sapos!!!!