O ELEITOR E O SUFRÁGIO

O ELEITOR E O SUFRÁGIO

Hoje foi dia de votar. Dia de eleger deputados, senadores, governadores e até presidente. Acordei contrariado porque, além disso, estava chovendo. Aquela fininha que, dá a impressão, molha mais que a grossa. Esta parece que é mais espalhada, a fininha cai unida e encharca. De qualquer forma existe o guarda-chuva, que, apesar de se útil, é inconveniente e a maioria das pessoas não gosta de usar. Eu, pelo menos, evito e só uso quando não tem jeito mesmo. Ele protege da água que vem de cima até, mais ou menos, a altura das coxas. A que vem de baixo, quando alguém pisa firme numa poça, ou a quem vem pelos lados, jogada por um motorista mau caráter, só um palavrão para aliviar, mesmo assim ficamos molhados. Azar dos pés, que não temos como proteger e ficam à mercê da chuva e das poças. Antigamente existiam as galochas, que funcionavam como capas para os sapatos, permitindo aos pés se manterem secos, como o próprio nome dizia: anidropodoteca (galocha era o nome popular).

Mas o maior motivo da minha contrariedade é mesmo ter que sair de casa para cumprir a obrigação de votar. O principal instrumento democrático, que incoerentemente é obrigatório, denuncia que vivemos sob um regime autoritário disfarçado. Pelo fato de ser imposto já não é muito simpático. Se não fosse assim, poucos se disporiam a perder tempo para se deslocar até a urna. Não bastasse, ainda temos que engolir a palhaçada do horário eleitoral gratuito, apesar de que podemos desligar a televisão. Mas a maioria gosta desse tipo de coisa. Tudo é motivo para festa, aposta. Fica torcendo para o candidato em quem votou seja eleito com mais votos. Acompanha a contagem dos votos como se fosse concurso de escolas de samba. Discute, sai no braço, deixa de falar, ganha inimigo e até mata. Pior que o sujeito, geralmente, nem conhece a pessoa pelo qual está se aborrecendo. Muito pior, é que o único objetivo do candidato é se eleger para usufruir dos benefícios e de todas as mordomias inerentes àqueles que alcançam os três poderes, principalmente a imunidade parlamentar. Depois, eleito, adeus, vai tratar de si, enriquecer ou ficar mais; arrumar emprego público para parentes, afins e para quem está a fim. O eleitor que se dane. Se fosse ele faria a mesma coisa. Pior que assim pensa quase a totalidade da população brasileira.

No caminho para a Seção em que eu voto, um homem me abordou dizendo que é mendigo (ele disse mindingo, claro) há mais de dez anos e queria saber se poderia votar. Disse que nem sabe onde foi parar o título, mas queria votar no atual governo, porque pelo menos agora consegue almoçar por um real no restaurante popular e ele tem muito medo que alguém acabe com essa mordomia, então vai ficar mais difícil comer. Arrumar um real é mole, dez é quase impossível.

É por isso que eu voto nulo. Pelo menos do mal do arrependimento não padeço. Além disso levo a vantagem de que não careço decorar número de candidato, levar cola, etc. Também não preciso assistir a debates baixo nível, nem ficar com complexo de culpa se o governo do sujeito eleito não der resultado e ainda posso culpar os outros: “Tá vendo, quem mandou votar no cara?!”