O dia a dia de uma gringa cabo eleitoral

 

A caminhada de Elena pelas ruas de Salvador, em busca de apoio para eleger LeoKret do Brasil.

Por: Elena Sahno 

Bom dia, meus amigos! Meu nome é Elena, sou russa, moro em Salvador-BA.  Nessa eleição eu torci pela vitória de duas pessoas. Uma é minha amiga Edna, do Partido Popular Socialista, a outra...  é uma pessoa muito especial.

A primeira vez eu ouvi a  palavra  Léokret no meu grupo de dança, perguntei: Léokret, que o que  é isso?

Uma moça de nosso grupo de apoio me respondeu assim: É  um homossexual muito famoso na Bahia.

Eu fiquei com muito curiosa sobre por que ele é famoso, e pesquisei na internet sobre ele. Achei um monte de artigos, entrevistas, vídeos, fotos. Gostei das apresentações dela. Quando eu li que essa  criatura tinha sido eleita  como vereadora de Salvador, primeiramente pensei que estava lendo uma brincadeira. Depois procurei o portal da Câmara dos Vereadores de Salvador e encontrei  lá informação sobre ela. Acompanhei pela internet o trabalho político dela e fiquei admirada. Enfim, acabei com meu coração totalmente conquistado por essa pessoa.  

Num santo dia, quarta-feira, 29 de setembro, eu passei  na Estação da Lapa.  Lá trabalha a minha amiga, vendedora de doce, chamada Paula. Ela é jovem, alegre e gosta muito de conversar. Eu sempre paro lá pra bater papo com Paula.  Eu perguntei-lhe  em quem ela ia votar.

Tudo de PT, - falou Paula, -  Dilma, Jacques Wagner, pra deputada estadual vou votar em Léo Kret.

 Que bom! -  comentei eu, alegremente , - obrigada pela escolha. 

Eu moro no bairro Engênho Velho de Brotas, -  explicou-me  Paula, - ela fez muito trabalho para nossa comunidade. As pessoas na minha rua também querem votar nela, mas não sabem o número.

Por que o povo não sabe o número?  Faltam apenas três dias até as eleições, o pessoal quer votar e não sabe o número!!!!  - exclamei eu.  Pensei: não vou deixar a minha favorita perder os votos e falei pra Paula

– Amanhã eu vou trazer os santinhos para você e você levará pra sua rua.

– Que bom! – falou ela – traga mais.  Será pra mim e pra  minha  amiga Jane.  Ela também vai  votar nela e vai entregar os santinhos no seu colégio.

Eu tentei combinar um encontro com seu Moisés, que trabalhava  no carro de propaganda da Léo Kret,  para  pegar os santinhos. Mas era muito difícil encontrá-lo, sempre rodando na cidade. Na manhã do próximo dia, eu  fui direto para o gabinete da Léo Kret pra pedir os santinhos lá.

Quando eu cheguei até o gabinete, eu vi o aviso na porta: Por favor, entra sem bater.  Embaixo tem a assinatura: Léo Kret. Eu  sorri: que bom, o gabinete da política, onde qualquer pessoa pode entrar sem bater, como na sua própria casa! Entra lá e fica à vontade.

Eu abri a porta com um sorriso no meu rosto. Lá estava apenas um rapaz, que ouviu com muito interesse minha história, perguntou sobre minha vida na Rússia e no Brasil, e depois de uma conversa, convidou-me a visitar mais uma vez o pessoal que trabalha no gabinete.

Eu trouxe um pacote com os santinhos pra Paula e deixei um restinho para levar ao meu amigo Leandro. Ele trabalha perto de Lapa, num salão de beleza. Achei que ele também teria razão pra votar na Léo Kret.

Meu querido, você tem preferência em quem votar pra deputado estadual? – perguntei-lhe. 

– Nãão, - respondeu ele.  

– Você pode aceitar meu pedido, que é fácil de fazer? Pode votar na minha candidata? – perguntei eu.

– Quem é ela? – interessou-se Leandro.

– Léo Kret, - informei eu.

– Aaa, Léo Kret – deu um sorriso, o Leandro, -  eu já votei nela nas eleições passadas. Eu pensei votar nela, mas não tenho o número.

– De novo! – exclamei eu , - o povo quer votar e não sabe o número.

– Tome, – eu entreguei os santinhos pra ele, - e leve pra seus amigos, que também gostam dela.

Ele sorriu, botou os santinhos no bolso e sentou na cadeira em numa posição especial: botou uma perna em cima da outra, como posasse para ser fotografado.  

Depois dessa conversa eu fiquei preocupada. Já era a segunda vez que se repetia a mesma historia: as pessoas não sabiam o número. Que é isso! Eu lembrei que no meu grupo de dança mais duas pessoas me falavam que gostam da Léo Kret:  Lázaro e Jacqueline.  Eu voltei para o gabinete, peguei mais santinhos e liguei para o Lázaro.  O rapaz respondeu: Eu quero muito que ela ganhe, mas já tenho o meu candidato. Liguei pra Jacqueline. A ligação estava  péssima, caiu muitas vezes, eu não consegui falar com ela.

Que fazer com a pacote dos santinhos? Eu  fiquei com pena de jogá-los no lixo. Irei pra rua entregá-los eu mesma? Nunca participei de uma campanha de propaganda na rua. Eu mesma sinto-me um pouco incomodada, quando alguém na rua bota um papel na minha mão sem perguntar se eu me interesso por isso, se eu preciso disso.

Também, se nem todo cidadão gosta de Léo Kret, eeu poderia enfrentar um problemão, se sair sozinha pra entregar os santinhos na rua. Que fazer? Eu resolvi sair na manhã seguinte aos para bairros mais carentes em Salvador, conversar com uns moradores. Se eu encontrar alguém, quem também deseja que Léo ganhe, darei uma parte dos santinhos e pedirei pra levar um pouco para vizinhos e amigos.

Para que bairro ir? Lembrei-me do Uruguai. Ouvi que lá é um lugar abandonado da cidade. Vou pra lá.

Cheguei ao Uruguai, saltei do ônibus  no fim de linha. Atravessei a praça e vi na frente de mim um morro, coberto das casas pequenas e velhas, encostadas umas nas outras. A paisagem era muito parecida com o clipe da canção de Psirico, no qual ele canta sobre a vida na favela. Eu fiquei na dúvida:  subir o morro ou é melhor não ir pra lá? Entrei num barzinho e perguntei ao vendedor: O que você acha, eu posso ir pra esse lugar ou é perigoso para mim?

– Acho que não é tão perigoso, – respondeu ele, - mas é melhor não ir pra lá sozinha. Eu vou te apresentar a Jandira, - falou ele – ela trabalha aqui na fundação cultural e ela vai explicar tudo para você.

Ele levou-me até a porta da fundação e chamou a Jandira. Chegou uma senhora, mais ou menos de 50 anos. Ela falou pra mim que está trabalhando na fundação há mais de 20 anos.

– Tudo mundo pensa que no Uruguai tem muita violência, - contou  Jandira, - mas  aqui mora gente boa.

– Olha, - ela mostrou para mim, a placa na parede da sala. – Na placa tinha fotos de uma festa.

– Nós fazemos uma grande festa pra crianças e adolescentes aqui, nessa praça. Teve muita música e dança.  Nossa gente é pobre, mas não é violenta. O pessoal daqui gosta de cultura. Nós fazemos muitos cursos, muitas oficinas pra crianças e adultos e todo mundo gosta. Quem espalha a violência são os traficantes. Infelizmente, o tráfico de drogas tomou conta do país.   

– A senhora conhece tudo mundo aqui. Você conhece alguém, quem gosta da Léo Kret e vai ajudar-me entregar os santinhos dela? – perguntei.

– Sim, tem gente que gosta dela, mas eu não posso indicar para onde ir, - falou Jandira, - tem  lá em cima do morro. Mas não vai pra lá sozinha, não é bom. E agora eu não tenho ninguém para pedir pra ir junto com você.

Depois isso, Jandira contou mais sobre seu trabalho na comunidade e convidou-me a participar de uma festa de cultura africana, que está sendo preparada para a próxima semana. Eu agradeci muito ela pela atenção. Respeitei muito dessa boa educadora, que está dedicando-se para às crianças e adolescentes pobres.

Saí na rua. Que fazer agora? Comecei a ir a pé para o Caminho de Areia e encontrei o ponto do mototaxi.

– Bom dia, - falei eu para  os motoqueiros que estavam descansando num banco,  - quanto custa a corrida daqui para Caminho de Areia?

– Mais ou menos três reais, - foi a resposta.

– Baratinho, - falei eu. Conversei um pouquinho com um motoqueiro sobre o trabalho dele e depois perguntei: 

– Voce sabe quem organizou os  pontos de mototaxi na cidade?

– Léo Kret, - falou um motoqueiro.

 – Vocês querem ajudar ela a ganhar as eleições? – perguntei eu aos motoqueiros.

– Com certeza, todo mundo vai votar nela, - respondeu um motoqueiro, emocionado. O colega dele fez um gesto afirmativo.  Eles sorriam e olhavam pra mim com umas boas olhadas, como se eu durante um minuto tivesse me tornado a grande amiga deles.

– Então tome e entrega pra os outros, - eu dei pra um uma parte dos santinhos.

– Obrigado, - ele falou pra mim, com a voz alegre.

Eu cheguei no Caminho de Areia de mototaxi, depois fui a pé na direção da Calçada. A hora era perto de meio-dia, mas tinha bem pouca gente nas ruas. No meio do caminho eu fiquei em dúvida sobre entrar ou não numa rua. Resolvi perguntar a um vendedor, que estava na sua loja sem clientes, sen nada pra fazer. Perguntei sobre a rua. Ele falou que não achava perigosa, depois perguntou que eu ia fazer na Calçada. Eu expliquei pra ele a minha missão. Logo depois do meu discurso sobre Léo Kret, o vendedor perguntou: Você é rapaz ou moça?

Nunca na minha vida eu ouvi essa pergunta.

– Eu sou mais parecida com que? -  perguntei a ele, tomando um pequeno choque cultural.

– Talvez uma travesti com peito de silicone, - respondeu ele.

Podia ser que ele quisesse me ofender, mas eu não consegui levar a sério essa frase. Eu me acabei de rir. Depois dos sorrisos, o vendedor falou: você pode ir nessa rua, mas anda rápido e não para e não fala com ninguém. Você é uma mulher bonita...

– Travesti...

– Que?

– Você mesmo falou, que eu sou travesti, - falei eu, inventando na hora uma brincadeira verbal com ele.

– Pois é... você é uma travesti bonita, as pessoas poder fazer coisa muito ruim com você. Pode conversar contigo amigavelmente, depois chamar pra algum lugar... Você é uma travesti  boba...

– Mulher, - troquei de ideia.

– Que???

– Desculpa, agora eu estou na dúvida, quem sou eu? Vamos de novo. Eu sou quem?

– Você é uma mulher.

– E você?

Ele levou um tempo pra pensar. Pode ser que contava as variantes na sua mente. Enfim, resolveu: Sou homem. Depois disso, eu não consegui esconder meu sorriso, ele sorriu também. 

Depois ele ofereceu-me uma água e convidou-me a voltar de novo à loja dele para conversarmos sobre as variantes dos sexos.

Quando eu estava saindo,  ele falou:

– Desculpa, hoje em dia os homens são mais parecidos com as mulheres que as próprias mulheres. Eu mesmo jamais vou votar na Léo Kret, mas boa sorte pra você! – Ele falou isso era falado com a voz boa, sem nenhuma ironia.

Eu andei na rua, senti-me cansada, entrei numa lojinha e pedi licença para descansar numa cadeira. Nessa loja estavam sentados um velho, um homem jovem e uma mulher. Na entrada da loja tinha uma mesinha, onde a moça fazia recarga de celulares. O velho logo começou a me perguntar de onde eu era, como era meu nome e que eu fazia naquela rua. Eu respondi pra ele. Quando eu falei que estava ajudando a Léo Kret ganhar, a moça da recarga exclamou com certo orgulho e  muita alegria: Ela é do meu bairro, de Pernambues!!!

– Eu vou votar nela e preciso do número,- falou pra mim a moça. Eu deixei pra ela os santinhos com meu pedido de entregar para os vizinhos e parentes.

– Sim, vou entregar. No nosso bairro ela vai ganhar!  - afirmou a moça. 

 – Agora você vai pra onde? - perguntou-me o velho.

– Para Engenho Velho de Brotas, - respondi.

Ele se ofereceu para levar-me ao ponto de ônibus. Durante o tempo, enquanto eu esperava o ônibus, ele também ficou no ponto, falando comigo com muita curiosidade. Chegou um vizinho dele. Meu guia logo me apresentou: olha, é meu amigo,  ele fala russo. 

– Spasíba! – falou esse rapaz, sorrindo.  Nunca antes  eu tinha encontrado nas ruas de Salvador alguém que soubesse falar a minha língua. Ouvir uma das melhores palavras no mundo em minha língua nativa, de um simples baiano, foi de muita alegria pra mim.

– Spasibo, você fala certo! - respondi eu, - Spasibo é "obrigado" em russo, - expliquei eu para o velho. O rapaz falou que ele é marinheiro, que já tinha ido na Rússia, na cidade chamada Novorossyisk e que lá ele se apaixonou pela uma moça russa. 

– Ela me ensinou falar: yá tebyá liubliú, moí liubóv, - falou  o marinheiro.

– É  quase certo, mas não é ‘moí liubov’, é ‘moyá liubóv’, - expliquei eu, - a palavra liubóv é amor em russo. Em nossa língua ela tem o gênero feminino...

Eu gostei muito dessa aula espontânea de russo com um rapaz agradável e sorridente. Mas meu ônibus chegou e eu fui para o Engenho Velho de Brotas pra cumprir a minha missão. O marinheiro e o velhinho gritavam atrás do ônibus: yá tebyá liubliú! yá tebyá liubliú!

 No Engenho Velho de Brotas eu cheguei na casa das minhas amigas. Não sei o nome da rua delas. Lembro que ela é situada atrás do supermercado Nova Ondina. Elas me ofereceram uma cerveja e levaram pela rua para conhecer o bairro.

– Olha,  aqui mora o tio do Márcio Vitor, - disse Neuza, mostrando me uma casa.

– Tio de quem? – perguntei eu.

– De Psirico, o cantor famoso - explicou Neuza.

– Eu gosto dele, - falei eu, - adoro «Firme e forte», a melhor canção dele.

– Do lado de lá moram os primos dele, - falou a Fátima. Eles também são músicos, já gravaram um CD. O grupo deles se chama Ninho da Timbalada.

Neuza mostrou com o gesto de mão o fim da rua.

– Lá mora uma bicha, - disse ela.

– Qual bicha? – perguntei eu.

– Não é bicha, é uma travesti, - explicou uma jovem sobrinha delas, que estava ouvindo a nossa conversa.

Algumas  vizinhas também chegaram para contribuir com uma palavra.

– Lá mora a sapatona... – falou uma.

– Na nossa família tem gay , - disse outra pra mim, -ele gosta muito de costurar. Na parada gay ele foi com roupa de mulher, que ele mesmo costurou.

– Vocês tratam ele bem? – perguntei eu.

– Por que maltratar? Ele é gente boa, - respondeu ela.

– Esse bairro é uma Arca de Noé, - falei eu, - tem músicos, tem gay, lesbica... 

– E tem  corno também, - falou o vendedor de cerveja.

Chegou uma mulher vendendo pão de queijo, ofereceu um pacote de pães por apenas por um real. Eu comprei, comi tudo na hora,  e acabei com toda minha fome. Meu almoço foi cerveja e pão por um real.  

Eu não pedi a essas minhas amigas para colaborar comigo, porque elas já tinham a candidata na própria família. Ela era a mesma Edna do PPS, que mencionei no início.

Eu dei tchau para essa grande família e fui andando em direção do centro da cidade. Na entrada de um beco, que estava descia em escadaria, estavam sentadas duas mulheres. Uma delas  estava com criança no colo. Eu pedi licença para sentar na escada também. Elas deram. Eu sentei junto, olhei nos rostos delas: muito cansados, mas amigáveis. A roupa e chinela delas eram velhas, mas limpas.  Eu puxei conversa: Estou cansada, andei muito hoje. Estou ajudando a minha amiga ganhar as eleições.

– Quem é sua amiga? – perguntou uma. A outra olhou com curiosidade.

– É gente especial, ela é famosa na cidade, mas não é todo mundo que gosta dela, - falei.

– Quem é ela? – as duas ficaram olhando para mim com muita atenção.

– Léo Kret – respondi.

– Aaa, Léo Kret, - falou uma, com um sorriso no rosto, a outra também sorru, - eu vou votar nela.

Os sorrisos mudaram os rostos delas. Os olhos começaram a brilhar, a expressão de alegria e esperança fez elas  parecerem bem mais jovens e muito mais bonitas.    

– Então toma e entrega pra seus vizinhos, - eu deixei os santinhos pra uma delas. Ela pegou e botou no bolso.  

– Muito obrigada pela colaboração, - falei.

– Obrigada você, - responderam elas.

Eu segui para o ponto de ônibus. No ponto, conversei com uma moça que estava na dúvida de quem votar. Ela não tinha nada contra Léo e eu deixei ums santinhos com ela. Neste ponto eu esperei o ônibus durante muito tempo e resolvi sair, tentar pegar meu ônibus em outra rua.

No novo ponto, perguntei a uma mulher: aqui passa ônibus para o Campo Grande?  Ela me  explicou amigavelmente, que eu precisava pegar Rodoviária, que passava lá.  Eu contei pra ela o que eu tinha feito na cidade hoje durante todo dia.

– Ahh, Léo Kret, - alegremente falou ela, -  eu  sou  também de Pernambues! Deus ajuda que ela vai ganhar! Estamos rezando para ela ganha!

A mulher olhava pra mim com tanto  carinho, como se eu fosse uma irmã dela, que estava muito tempo longe da família e agora acabara de chegar. Eu senti-me muito feliz com o olhar dela. Nós não falamos mais nada, apenas olhamos uma pra outra e entendemos tudo: ela ama de todo coração essa terra, essa cidade, esse povo, eu também amo. Há muito tempo que eu não me sinto em Salvador como se fosse uma estrangeira. Eu me sinto parte dessas pedras, dessas ruas, dessa luz do sol, dessa música, desse povo. Eu desejo muito toda felicidade para o povo baiano. Ela também deseja isso. E Léo Kret se tornou o símbolo das nossas esperanças, dos nossos sonhos. Nós ficamos caladas olhando uma para a outra, lendo os pensamentos e trocando as emoções. Não precisamos de nenhum idioma para entender uma da outra.  

Meu ônibus chegou e eu fui para meu encontro semanal na Academia de Cultura da Bahia. Desci do ônibus no Campo Grande e fui a pé para a Faculdade Dois de Julho. Eu não fiquei nem um pouco cansada depois do dia inteiro andando pelas ruas. Eu estava leve e me senti mais forte. «Eu tô firme e forte» - agora o Psirico canta sobre mim também.  

Eu entendia que eu precisava fazer este trabalho  muito mais que  ela. Estes votos que eu consegui hoje, eram uma gota no mar. Mas eu, rodando na cidade e falando com qualquer um na rua, recebi o conhecimento muito importante. Eu comecei a ter outro sentido da cidade. Os problemas, os dores e as felicidades dos moradores dos bairros distantes entram na minha alma e circulam no meu sangue. Hoje eu fiquei feliz, esperei e sonhei, sofri e amei junto com eles.

Na Academia de Cultura eu nem pensei em falar onde eu fui hoje e sobre o que fiz. Lá tem pessoas do outro nível social, cada um já tem seu candidato, e ninguém vai se importar com minha pobre Léo Kret. Mas, sem esperar, consegui ser entendida lá também. Neste encontro da Academia chegou um rapaz de teatro, que fez sua apresentação. Eu contei tudo pra ele. Ouvindo o nome Léo Kret, eu sorriu, falou que sim, qu entre os amigos dele tem gente que gosta de Leó. Eu pedi-lhe pra entregar pra eles os santinhos com um abraço da Elena.

Voltei pra casa feliz. Valeu a pena sair hoje. No dia seguinte eu resolvi ir pra Periperi. Nunca tinha lá, mas ouvi esse nome de bairro como um sinônimo de carência.

De manha cedo eu fui ao ponto de ônibus embaixo do Elevador Lacerda. Esperei meia-hora, mas Periperi não chegou. Eu perguntei a um vendedor de cachorro quente:

– Tem outro ônibus pra ir para Periperi?

Ele falou:

– Tem Periperi-Mirante, mas ele vai um pouco pra outro lado, não serve pra quem vai ao fim de linha. – Depois ele perguntou:

– Você vai a Periperi encontrar com quem?

Eu falei pra ele que estava indo ajudar a minha grande amiga ganhar as eleições. Eu não falei o nome dela, porque este rapaz não parecia com gente que eu pudesse confiar. O rosto dele era fechado, o olhar não era amigável, a boca era dura. Parecia que ele tinha na vida mais inimigos que amigos. A roupa dele estava muito velha.

Mas este rapaz ficou com muita vontade de descobrir, quem era essa amiga.

– Onde ela mora? – perguntou ele.

– Em Pernambués, - disse eu.

– Por que vocês não foram juntos? – não parou de perguntar ele.

– Porque ela tá ocupada nos outros lugares, - respondi eu.

– Quem é ela, fale, - o rapaz insistiu. Eu não tinha pra onde fugir. Olhei para os olhos dele e falei: Léo Kret. Eu esperava tudo, até ouvir um palavrão. Então, ele não vai me bater aqui no ponto de ônibus, na frente de muita gente.  Mas ele...  sorriu e falou:

– Léo Kret, que bom! Ela é uma pessoa ótima, ela merece. Eu vou votar nela.

Eu também sorri e relaxei.

– Se você pensa assim, tome e deixe pra seus amigos e visinhos, - Entreguei os santinhos pra ele. Ele pegou-os cuidadosamente e botou na mochila.

– Ela vai ganhar, a gente vai dar a força dela, - falou este pobre rapaz, com alegria e esperança. O rosto dele, magro e duro, agora estava parecido com o rosto de um jovem sonhador, que está planejando seu futuro.  

– Eu moro no Engenho Velho de Brotas, – falou ele, - Lá todo mundo respeita  ela.  (Neste minuto eu fiquei com muita pena, que o crime da cidade não me permita andar com a filmadora e filmar todo mundo com quem eu falo.)

– Que bom, - disse eu, - eu não peço pra você falar assim, eu não ofereço a você um dinheiro, eu não prometo a você alguns bens  para você falar bem de Léo Kret. Você fala isso de coração, quem dos outros políticos tem isso?

Nesse momento eu resolvi escrever um texto sobre toda minha experiência com cada cidadão que colaborou comigo. Toda essa gente merece ser mencionada e gravada na memória.

– Como é seu nome? – perguntei-lhe.

– Roque, - disse ele.

– E o seu?

– Elena.

Depois, o Roque ajudou-me a pegar ônibus. Ele olhava os nomes dos ônibus chegando e comentava:

- Periperi-Mirante, não serve; Paripe, não vai; este também vai pro outro lado…

Enfim, meu ônibus chegou. Eu planejava ir para o fim de linha. Eu nunca tinha ido antes neste lado da cidade. Quando o ônibus começou a passar nas ruas, onde tinha muitas casas velhas e meio-abandonadas, fiquei muito preocupada. Isso é a verdadeira favela? É perigoso? Pode ser… Melhor não sair deste ônibus, voltar pro centro da cidade para não me arriscar muito? Mas depois de algum tempo no caminho o ambiente melhorou. Eu saltei em uma praça, que era parecida com um lugar mais ou menos desenvolvido. Para não ficar na rua chamando atenção  de pessoas desconecidas, entrei numa loja e perguntei ao vendedor:

– Aqui é Periperi?

– Aqui é Plataforma, - respondeu ele, - pra Periperi pega ônibus na praça.

– Eu posso andar aqui um pouquinho, não é muito perigoso? – falei eu.

– Não é muito, se não andar pra longe, aqui na praça você pode – foi a resposta.

Cuidadosamente eu dei uma voltinha na praça. Ela era cheia de placas de políticos. A placa da Léo Kret não estava lá. Eu comecei a subir uma rua em direção de um morro. Olhei para todos os lados, vi as pessoas caminhando tranquilamente. Na rua tinha muitas lojas. Lembrei que o rapaz que no dia anterior tinha me chamado de «travesti» me ensinou: se na rua tem muito comércio, não fica com muito medo, é mais ou menos tranquilo, mas tenha cuidado.

Eu subi o morro e vi três pessoas, um homem e duas mulheres batendo papo, sentados na entrada da loja. Eu sentei ao lado deles e perguntei sobre  aquela rua, se era perigoso continuar meu caminho ou não. Eles me falaram que era melhor uma estrangeira não ir pra lá. Depois de uma conversa sobre mim, quem eu era, de onde, e como achava a vida em Salvador, eles perguntaram o que eu fazia em Plataforma. Expliquei a minha missão.

– Aaaa, Léo Kret – sorriu uma das mulheres, - eu quero votar nela e preciso do número. 

– Amanhã é o dia das eleições e a gente até agora não sabe o número!!!! – comentei eu, na minha mente.

Eu deixei os santinhos com ela e ela botou na mesinha, onde ela fazia a recarga dos celulares. O homem chamou a moça que vendia roupas na loja vizinha e falou sobre mim.

– Ela é do time da Léo Kret.

Ela viu os santinhos na minha mão e falou:

– Me dá mais, eu vou deixar pra meus clientes. Me dê também, - falou o homem. 

– Que bom ser tão bem recebida aqui, eu não pensava que que iria ganhar tanta compreensão neste bairro, - falei.

– Léo Kret é muito querida  neste bairro, - falou o homem. Tudo mundo quer votar nela.

– Como é seu nome? – perguntei-lhe. Estava firme da minha ideia de gravar na memória toda a gente que me ajudara.

– Marcos, - disse ele.

– Obrigada, Marcos, - respondi, - boa sorte. – Como é sua vida aqui, é difícil? - perguntei.

– Tem dificuldade e tem felicidade também, a gente vence tudo, - falou ele, com a voz firme. 

Eles olhavam pra mim com muito agradecimento. Eu voltei pra praça, peguei o ônibus para Periperi. Pode ser que lá também tenha gente que queira votar e não saiba o número. Alguns minutos depois, do ônibus, vi uma feira, muito movimentada. Não saltei lá, porque na feira tem muitos ladrões. Infelizmente, a gente de fora é o alvo preferido deles. Passei mais dois pontos e saltei na terceira parada. Que rua é essa! Aqui tem muita poeira no ar, no chão, nas paredes. Todas as casas são de cor cinza. Todas as pessoas na rua andam rápido, sem olhar para os lados, os rostos são duros. Muitas pessoas andam com a coluna curvada, olhando pra baixo. Como eu vou procurar aqui alguém, quem vai me entender?

Entrei na uma pequena lanchonete e perguntei à vendedora:

– Onde eu estou? É Periperi mesmo?

A vendedora, uma negona baixinha e magra, levantou cabeça e olhou para mim com um olho bem aberto, como se visse uma coisa bem estranha.

– Você é de onde? - perguntou ela, esquecendo de responder à minha pergunta.

– Da Rússia, - disse eu.

– A russa, verdadeira russa! - falou, muito alto, a moça.

Ela saiu do seu lugar e começou a rodar, me olhando de  todos os lados. Está passeando no Brasil? - perguntou ela.

– Não, eu faço curso de português na UFBA e faço um serviço político agora, - respondi. 

– Como esta na Rússia, é muito frio? - ela estava com muita curiosidade.

– Na minha cidade chega a 40 graus abaixo de zero, - falei.

– Oh, meu Deus! - gritou ela, - como vocês tão morando lá? Lá tem banana? Lá tem abacaxi? Lá tem manga? Lá tem coco?

Ela fazia suas perguntas muito rápido, eu tive pouco tempo para responder mais e mais vezes: não tem, não tem…

– E o que vocês comem lá ? - perguntou ela.

– Comemos alguma batata com galinha, com carne, macarrão, sopa..., - respondi.

– E que você come no Brasil?

– Como arroz, feijão...

Ela olhou pra minha boca com certa desconfiança. Parecia que não acreditava que una criatura tão exótica como eu comesse arroz e feijão. Na lanchonete entrou um rapaz e a vendedora logo começou a gritar:

- Olha, gringa, gringa!

Ele olhou-me com tanta atenção, como se eu estivesse dançando a dança dos cossacos. Durante mais ou menos quarenta minutos eu respondia as várias perguntas sobre meu país, minha vida no Brasil  etc.  Depois ele saiu. Eu perguntei à vendedora se ela conhecia alguém em Periperi quem gostasse de Léo Kret.

– Eu mesma não gosto, - falou ela, - eu não apoio homem que virou mulher. Mas tem muita gente, que gosta.

– Muito bom, que tem, - respondi. Eu vou andar um pouco pra lá, - e mostrei a direção.

– Tenha cuidado, - falou ela. A moça fina, educada, do outro país neste subúrbio! - continuou ela, - tenha muito cuidado.

Eu andei um pouco na rua principal. Este bairro não é tanto pobre  como eu pensei à primeira vista. Vi uma loja com roupas boas. Lá havia um vestido muito bom pra mim.

– Quanto custa? - perguntei para vendedora.

– Vinte e nove reais, - disse ela. – Achei baratinho.

Eu perguntei a ela o que ela pensava sobre a chance da Léo Kret ganhar as eleições.

– Não sei, talvez ela ganhe, - falou ela, - eu mesma não vou votar nela, eu não gosto dos homossexuais. Você gosta?

– Por que não gostar? Essas pessoas são boas, pacíficas, criativas. Não gostam de brigar, só gostam de dançar. Eu conheço muito dançarinos assim.

– Pois é, - falou a moça, - mas eu não gosto.

Saí da loja e fui para outro lado da rua. Lá eu vi o ponto de mototaxi.

– Quanto é daqui até o  Comércio? - perguntei ao motoqueiro.

– Mais ou menos vinte reais, - respondeu ele.

– Quanto tempo você trabalha como motoqueiro? - logo comecei eu a entrevistá-lo.

– Três anos, - falou ele.

– E o que você acha deste trabalho? - perguntei.

– Trabalho bom, mas ainda não está legalizado. Nas outras cidades está legalizado, aqui não. Os taxistas não querem isso, - falou ele.

– Os concorrentes, - comentei eu.

– Exato, - falou ele.

– Você sabe quem quer legalizar o mototaxi? - perguntei.

– Léo Kret - respondeu ele, firmemente, - ela tá correndo atrás para fazer isso. Ela fez reunião com os motoqueiros...

– Você foi na reunião? - interessei-me eu.

– Sim, fui - disse ele.

– E o que você pensa sobre ela ? - perguntei.

– Ela é uma ótima pessoa. Que importância tem se é homem, mulher, Deus-sabe-quem... Ela faça o bem, isso é importante.

– Eu estou ajudando ela ganhar essas eleições. Você vai votar? - perguntei.

– Vou, sim, - falou ele.

– Tome e deixa pra seus colegas, - eu dei pra ele o resto dos santinhos. – Ele pegou e falou:

– Os motoqueiros é galera dela.

– Como é seu nome ? - perguntei.

– Andrade, - respondeu.

– Muito obrigada, Andrade, - falei.

– Obrigado você, moça.

– Aqui tem mais um ponto do mototaxi?

– Tem lá, atrás  da feira.

– O que você acha, eu posso ir pra lá, falar com opessoal?

– Não é boa ideia. Você vai atravessar a feira, isso é perigoso. Pega o ônibus e vai pra casa, irmã, eu trago os números pra eles.

– Obrigada pela compreensão, Andrade.

Eu voltava para o centro da cidade de ônibus, pensando sobre minha experiência. Nem um santinho que eu peguei foi jogado na rua. Contei com quantas pessoas eu consegui colaborar: Paula, Jane, Leandro, dois motoqueiros no Uruguai, uma moça na Calçada, quatro mulheres no Engenho Velho de Brotas, o Gabriel do teatro ,na Academia de Cultura, Roque, Marcos e duas mulheres em Plataforma, Andrade, teve mais um rapaz, um cobrador de ônibus que também concordou colaborar comigo... 17 pessoas apoiam Léo Kret e apenas três me falaram que jamais vão votar nela... E não porque não gostam pessoalmente dela;, eles não gostam dos homossexuais em geral. 

Se olhar na minha propaganda, como se eu fizesse uma pesquisa sociológica, esse foi excelente resultado!!! A escolha feita  casualmente, perguntei a qualquer pessoa na rua, e o balanço foi 17 a 3! Léo Kret é uma grande estrela! Se eu andasse na rua e perguntasse aleatoriamente: você gosta de  Michael Jackson? O resultado seria o mesmo, acho que sim. 

Se nos outros bairros da cidade o povo pensar assim, não tem o que se preocupar com o resultado dessas eleições. Tudo já certo. Com esse apoio do povo ela pode ser candidatar a deputada federal e dormir tranquila.

Durante esses dois dias eu conheci melhor a cidade do que durante muitos meses. Aprendi a falar com qualquer pessoa, entender e ser entendida. Nessa rodada me dou como uma verdadeira componente da irmandade dos moradores de Salvador. Aprendi a diferença entre o povo e o povão, guetto e favela, travessa e beco; aprendi o significado da palavra "humilde"; conheci muito, que jamais sabia. E conheci melhor a mim mesma. Muito obrigada, minha amiga Paula, que você me dou essa ideia. Muito obrigada, meu amigo Lázaro, que você não entrou nas minhas correntes "tome e leve para os amigos" e deixou esses santinhos comigo. Muito obrigada, Léo Kret, que você existe neste mundo. E agradeço muito a mim mesma, que vencei minha timidez e fui rodar nas ruas e pedir ao povo para votar na Léo Kret.  

A noite de domingo até segunda-feira foi cheia de esperança. Eu imaginava algo criativo para parabenizar Léo. No meu país é muito comum dar de presente aos artistas favoritos uns bonitos bichinhos de pelúcia. Cada um na sua entrevista fala que a casa dele virou um depósito de brinquedos. Depois, eles entregam tudo para alguns orfanatos... Se eu levar um  ursinho branco, talvez ela vai gostar, mas não tenho certeza...  

De manhã acordei cedo, liguei a televisão,  esperando os resultados. Deputados estaduais... um, dois, três, setenta e três... que aconteceu? Teve alguma confusão e os resultados dela foram anulados? Entrei no site do Tribunal Regional Eleitoral, olhei lá.  22.534, que é isso?  Isso ela podia ter em um, três ou quatro bairros de Salvador. Oh, meu Deus!! Onde estão os votos dos outros bairros?

 

QUANTOS PESSOAS MAIS NÃO SABIAM O NÚMERO DELA?

 Eu lembrei de todas as pessoas com quem eu  falava nas ruas, quem me recebia como uma irmã. Quantos pessoas nos bairros pobres e humildes ligavam com Léo sua única esperança de melhorar sua vida!   Agora... nenhum outro político vai se preocupar com eles. Eles vão continuar esquecidos e abandonados... Eu lembrei de Roque, Andrade, Paula e chorei. Eles tanto esperavam a vitória, eles acreditavam na força da Léo, eles acreditavam em mim. Agora tudo isso já virou passado. Eu tive uma vontade grande de voltar no meu caminho, nas ruas de Salvador, encontrar de novo todas essas pessoas, abraçar cada uma e pedir desculpas pelas esperanças quebradas... Quem agora vai legalizar mototaxi, defender os moradores de Engenho Velho de Brotas e Plataforma? 

Quando eu falava sobre Léo, o pessoal me recebia como se eu falasse sobre um membro da família deles. Que ela fez na cidade para conquistar tanto amor, para amolecer os corações duros das pessoas, que cada dia está batalhando com a enorme pobreza para sobreviver? E por que esse amor, espalhado em todos os lados da enorme cidade, NÃO CONSEGUIU SE UNIR NUMA FORÇA??? Por que todas essas pessoas, que tanto gostam dela, não conseguem se reunir para dar a força pra ela, como falava meu amigo Roque? Por que não surgiu alguém, quem poderia organizar todos, quem quer apoiar ela?

Eu liguei pra Moisés.

- Como está ela?

- Chorando muito...

No dia seguinte eu liguei pra ele de novo.

- Como está ela?

- Está melhor.

Na próxima semana será a Dia das Crianças. Não pode ser que Léo Kret não faça uma festa para as crianças pobres do Pau Múdo ou Pernambués. Vamos ver, gente.

* Elena Sahno é Assistente Social, jornalista, dançarina, doutora em filosofia, especializada em filosofia do poder.

Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 10/10/2010
Reeditado em 11/10/2010
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