De doutor a professor vai uma grande distância

Quando fiz pós-graduação, numa instiuição no Rio de Janeiro, meus dois piores professores eram doutores. Um dava aulas sobre o ambiente telejornalístico. A cada dez palavras que proferia, nove e meia eram palavrões. Em todas as pausas em que caberiam vírgulas, ou em todos os inícios de frases ele incluía um p*; ao terminar qualquer fala exclamada, ele naturalmente acrescentava um c*. Isso quando não apelidava um objeto qualquer de b*. Era assim a aula toda. Não sou santa e me confesso boca suja, mas exageros nunca são bem vindos. Principalmente numa sala de aula.

O outro professor doutor era educadíssimo. Demais. Sentava-se na cadeira, devidamente posicionada atrás da mesa, e ali ficava durante duas horas falando, falando, falando. As mãos permaneciam quase todo o tempo apoiadas sobre a mesa. O tom de voz não se alterava. O ritmo da fala também não. Queríamos fazer perguntas; não tínhamos espaço. Só ele falava. As aulas aconteciam aos sábados de manhã, e combater o sono nesse momento era um esforço à parte, além do que fazíamos para entender o que ele dizia. Era prolixo, alongava demais o raciocínio, discorria como se estivesse falando sozinho diante do espelho.

Se me perguntarem o que lembro desses dois módulos do curso, infelizmente terei que responder: nada. Bem que tentamos, eu e a turma, propor alguma mudança no corpo docente, mas a resposta que obtivemos da coordenação foi: “Mas ele é um doutooor renomado, escreveu livros..!” Quase respondi um f*-se. Não posso dizer por experiência o que é um doutorado, pois não cheguei lá. Não desmereço nenhum deles, porque conhecimento é coisa séria e é o único legado que levamos para além vida. Não discuto o título, mas o talento, a vocação.

Ser doutor não significa automaticamente que tal indivíduo esteja 100% preparado para dar aulas, encarar uma turma de 50 alunos, compartilhar seus conhecimentos com prazer de ensinar, responder pacientemente a perguntas, se emocionar, rir, oferecer apoio no aprendizado. Ser doutor não quer dizer que o indivíduo recebeu chancela para ser responsável pela formação profissional de alguém. Aliás, essa responsabilidade é para poucos. Afinal, ‘dador’ de aula qualquer um pode ser. Mas educadores, conheço pouquíssmos.

Recentemente ouvi queixas de um grupo de alunos de graduação sobre certo professor doutor. Conforme fui ouvindo as histórias contadas pelos jovens, fui lembrando da minha pós-graduação. A característica principal é a mesma: nenhum talento para dar aula. Ou seja, tem formação irretocável, mas falta o pendor natural àqueles que nasceram para ensinar. E, ao reclamarem do fato à coordenação do curso, a resposta veio também igual: “Mas ele é doutooooor! Precisamos dele no nosso quadro docente!” E o ensino decente que se dane.

Poderia citar aqui dezenas de nomes de doutores a quem admiro pelo grau de conhecimento, somado à desenvoltura e ao relacionamento nota dez com os alunos dentro de uma sala de aula. Indiscutível. E é justamente isso o que gostaria de deixar claro. Que o mérito seja reconhecido, mas que os alunos sejam respeitados em seu direito de questionar, buscar, aprender. Se doutores ou não, se se propuseram a assusmir uma sala de aula, que sejam dignos da atividade que abraçaram.

Giovana Damaceno
Enviado por Giovana Damaceno em 12/10/2010
Reeditado em 15/10/2010
Código do texto: T2552889
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