Pães e Padeiro- Histórias da minha infância VII

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA – PÃES E PADEIRO

São 07:h e 30 minutos, vou até a padaria comprar pão quentinho, gosto de saboreá-lo ainda fumegante, velho costume da infância, meu pai tinha um forno no fundo do quintal da minha casa, todos os dias, ele fazia várias delícias e nós, as filhas, éramos as primeiras pessoas a saborear seus feitos. Mais tarde chegavam os meninos para vender os pães em formas que levavam à cabeça, batiam de porta em porta e logo voltavam com as mesmas vazias. Papai pagava um a um, eles saiam alegres, comendo pão, e levando o dinheiro que ganhavam para sua família.

Lembro que meu pai fazia umas “Broas” e uns “Cacetinhos com Gergelim” como nunca mais provei em lugar algum, Também gostava de fazer “Língua-de-Sogra”, usava açúcar cristalizado e tinha uma clientela cativa.

Éramos simples, não possuíamos bens de valor, mas a nossa família sempre foi unida, até para dividir a farofa de ovo. Papai gostava de nos ver felizes, não tínhamos grandes pretensões, ganhávamos sempre um brinquedinho no dia de nosso aniversário e ficávamos alegres.

Tornamo-nos adultas, tivemos nossos filhos, e, o mestre André continuou a fazer seus pães , desta feita, a “netarada” também sabia apreciar as delícias de papai. Ele já não vendia mais pães e doces, porém, gostava de fazê-los para a família, até o “Panetone” com muitas frutas cristalizadas era diferente. Também era ele que fazia o café da manhã lá em casa, só que colocava “cravinho” dentro do café, e, eu não gostava, ele dizia que era saudável, para não gripar.

Quantas vezes papai nos obrigou a tomar uma gemada de ovos com leite e laranja , segundo ele, fortificante. Ainda, preparava o “Biotônico Fontoura” misturado à ” Emulsão de Scott” , para ficarmos com o pulmão forte . O cheiro era terrível, e todos os dias cedo, antes de irmos para o colégio, bebíamos. Sem esquecer um tal “Lambedor” feito de folhas de “Malva Grossa” com açúcar, menos mal, era docinho e mandava embora a gripe. Meu pai era um sábio.

Papai foi criado no mato, desde cedo, saiu de casa para desbravar terras no Pará, estudara pouco, mas queria ver as filhas “doutoras”, não conseguiu ver, mas estudamos, nos graduamos e ele se deliciava com isso, os netos também estudaram e ainda estudam, mas uma coisa importante esquecemos: de aprender a fazer as delícias de trigo que papai fazia, não anotamos nada, era como se ele fosse viver eternamente, e quando adoeceu, não nos preocupamos em registrar nadinha de receita, mas o cobrimos de atenção e amor todos os dias, afinal, ele nos educou para isso, amar a família depois de Deus.

Papai partiu, e com ele levou o segredo de sua arte culinária, o velho padeiro agora descansa lá no céu, mas os seus feitos jamais serão esquecidos.

Volto à realidade, entro na Padaria e peço os pães, aspiro o cheiro gostoso e saio cantarolando, aprendi a apreciar as coisas simples, como o meu pai, afinal, o que importa nessa vida é o que guardamos no coração, e digo, tenho muita coisa boa guardada.

12/10/2010

Hoje, comemorado o Dia das Crianças, despertei a menina que há dentro de mim, voltei à minha infância e fiquei mais feliz do que já sou.

Obrigada, pai.