Dor na alma

Uma mulher me parou na rua para perguntar sobre a minha experiência com o câncer de mama. Ela me conhece, sabe da minha história recente com a quimioterapia, cirurgia e radioterapia. E queria saber mais detalhadamente sobre a cirurgia de reconstituição da mama. E no mínimo detalhe mesmo, o que a incomoda é a possibilidade de sentir dor. Sério. Ela teve câncer na mama esquerda, sofreu mastectomia radical, perdeu toda a mama e agora está realmente com medo de sentir dor pós-cirúrgica.

O encontro com essa mulher coincidiu com um momento muito especial de dor intensa pelo qual estou passando. Não me lembro de ter sentido tão profunda dor em meus 41 anos. Mas minha dor é na alma e essa, ao mesmo tempo em que parece um tanto irracional, porque não dói no corpo físico, é a que realmente paralisa, porque dói em tudo ao mesmo tempo. Por fim, provoca dores lancinantes do fio de cabelo à ponta do dedão do pé, de verdade. E aí pode estar uma doença real começando.

Fiquei de ontem pra hoje pensando na preocupação daquela mulher, em como o ser humano pode ser simplório e isso é prefeitamente compreensível. Sem filhos, sem uma relação afetiva, sem grandes perspectivas profissionais, sem uma educação religiosa que a norteie, a possibilidade de dor é o que ela possui de mais pavoroso pela frente. Tive medo da morte, tão somente da morte. Não querer ir embora dessa existência e deixar meu filho ainda pequeno foi o que mais me mobilizou a vencer a doença. A força de vontade de ficar por ele era tanta que, juro, hoje preciso escarafunchar a memória para lembar em que momento senti dor.

E quando relatei àquela mulher o que e como foi a minha cirurgia – com preenchimento da mama com os músculos retroabdominais e gordura abdominal – ela arregalou os olhos e perguntou: “Como é que você não morreu de dor?”. Confesso que fiquei parada alguns segundos, olhando para ela, sem saber ao certo o que dizer. O motorzinho mental foi a mil, na tentativa de buscar um registro de dor pós-cirúrgica digno de ser citado naquele momento. Não deu. O que me veio à cabeça não era, nem de longe, o que ela gostaria de ouvir: “Nooossa, menina, senti dores horrorosas!”. Não, não senti mesmo. Ou não me dei tempo para prestar a atenção nisso.

Diferente de hoje, quando a dor que sinto é quase inexplicável. Como disse, me paralisa, me desnorteia, me tira da vida real. Vou ao céu e volto várias vezes ao dia, buscando encontrar lenitivo para tal sofrimento ou, talvez, no meu subconsciente – ou espiritualmente, como prefiro -, tento reencontrar aquela pessoa que se despediu da vida há pouco mais de um mês e sem a qual está difícil tocar a vida para a frente.

Essa dor, sim, amedronta. A dor física, por concreta que seja, tem local definido e analgésico específico. A dor da alma não. Ela fica, fica, fica. Como disse uma grande amiga ontem à noite, é preciso dar voz de comando à mente e dizer: “Basta! Não quero! Isso tem que acabar!” Vai acabar, sim, sei que vai. Mas o tempo... Ah o tempo... Este passa muito devagar para quem sente dor.

Giovana Damaceno
Enviado por Giovana Damaceno em 15/10/2010
Código do texto: T2558442
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