Bernardo, meu filho

Nas Seleções do Reader’s Digest eram comuns as cartas escritas para os filhos, repletos de conselhos e, normalmente, de moralismos. Tem aquele poema “Se”, de Kipling, lindo e cheio de simbologia, como tudo que ele escreveu, mas meio desumano, pois não dá margens a erros, estripulias, medos e a alegria irresponsável que, convenhamos, a vida tem que ter para ter um pouco de graça. Essa coisa de ser sério demais, equilibrado demais é boa para os chatos.

Pois é, cada vez que nos encontramos e você solta aquele “Pai”, num tom mais alto e vindo diretamente do depósito de alegria que existe na alma das crianças, reflito sobre o que deixo para você. É tão pouco o que eu queria muito. O que posso deixar é só o que sou, pois é só o que tenho. E, filho, eu sou muito, muito, palavras. Elas me fascinam, às vezes me confortam, muitas vezes me deixam louco de raiva, principalmente quando se escondem. Palavras combinadas entre si e amarradas pela esperança de serem mensagem, sem se transformarem em conselhos piegas, é o que deixo para você.

Leia livros, filho, que muito da sabedoria e do gosto e do desgosto está condensado neles, assim como a suprema liberdade de dizer. Falando nisso, está em que parte de “Tom Sawyer”? Meu Deus, como me vi naquele menino, herói de si mesmo, que é o que devemos ser.

Tenha amigos, bons maus e mais ou menos, que nunca sabemos como são, o importante é tê-los e, de vez em quando, selecionar um pouco para não fazer papel de palhaço. Amigos são como o vento: incham as velas, mas também afundam os barcos.

Plante árvores não para se perpetuar, mas para que floresçam, sejam lugar de cantoria dos pássaros e, através das abelhas, se transformem em mel.

Escreva poemas, pois o poema é o mais autêntico suspiro da alma. Mostre-os se quiser, publique-os se puder ou fique com eles como aqueles tesouros que nos fazem bem por sabermos que existem. E não tenha vergonha de ter uma alma sensível; foi por isso que fomos feitos, para termos uma alma sensível.

Saiba sorrir, rir, gargalhar, pois a alegria é o combustível da vida. Sobretudo, ria de si mesmo: quem não ri de si mesmo já nasceu velho e vai morrer entrevado e você nasceu para ter asas em movimento, portanto, voe com a brisa, o vento e a tempestade que o riso provoca. Voe para ser feliz.