O COMILÃO

Há muito tempo atrás (nos anos noventa, eu acho), assisti a um filme chamado “Angus, o Comilão” (Angus, 1995) sobre um garoto que estava acima do peso e por isso era alvo de bullyng (assédios morais). O garoto, mesmo sendo muito inteligente e bom no esporte do colégio (futebol americano), era ridicularizado e ignorado pela maioria das pessoas do colégio e, principalmente pelos seus colegas de time, que eram tidos como os alunos mais “descolados” da escola. Por isso, Angus tinha pouquíssimos amigos, na verdade, apenas um ruivo baixinho e magrelo, que tinha um jeito meio esquisitão, o Troy. Por eles não serem populares na escola, um amparava o outro e assim, resistiam ao embaraço dos atletas.

Angus tenta viver sua vida normalmente e se enquadrar aos padrões de “normalidade” da escola em que vive, mas ele sabe que, além de gostar de comer bastante, o tipo físico dele é hereditário (seu avô também tem um peso acima da média e sua mãe é uma caminhoneira rechonchuda que gosta de brincar de queda-de-braço). Ele faz um projeto para a feira de ciências da escola sobre uma colônia de micróbios de cor vermelha, criados in-vitro e que convivem com uma colônia muito maior de microorganismos diferentes. A questão que ele quer mostrar é: se é possível essa coexistência. Uma analogia ao seu cotidiano, como se pode notar. O menino também é apaixonado pela garota mais bonita da escola e gostaria de ter, pelo menos, uma chance de falar com ela. Quando o ex-namorado da garota, que também é atleta, sabe disso, bola um plano com seus comparsas para humilhar Angus na frente de toda a escola e, principalmente da mocinha, hasteando a cueca do rechonchudo menino no mastro da escola, junto à bandeira americana. Isso deixa Angus arrasado, mas não vai faze-lo desistir tão fácil...

O filme é uma comédia, mas representa a realidade de muitos meninos e meninas pelo mundo todo. Já conheci muitos Angus por aí, meninos da minha classe na escola que tinham apenas um amigo e que não tinham nenhuma popularidade com as garotas por ser gordinhos e suarem muito. Tinha um amigo meu, não vou citar nenhum nome, que era rechonchudo e não tinha muito dinheiro para comprar vários uniformes e poder trocá-los, por isso suas roupas ficavam com um cheiro forte, as meninas riam da cara dele e xingavam-no. Aquilo me deixava muito chateada, porque a brincadeira estava passando dos limites, se tornando aviltamento. O rapaz chorou na sala de aula, pois não agüentava mais ser chamado de queijo fedorento etc. Eu tentei conversar com ele para que não ficasse chateado, perguntei se não tinha como ele fazer alguma coisa para melhorar sua condição e o jovem me contou sua situação complicada. Fiquei muito triste com aquilo, me senti sem ação.

Eu mesma era _ e continuo sendo _ uma gordinha e por isso sempre fui muito zoada. Quando eu era criança, além de ser gordinha, eu era muito desligada, sempre estava sonolenta, não sei por quê. Então, as meninas da escola me chamavam de “soneca”(como o bonequinho da Ortobom) e faziam bordões do tipo: acorda, Mahyná! Todo dia eu era recebida pelos meus colegas por esse bordão. Até eu parar de me irritar e aderir ao apelido, daí ninguém mais me apelidou dessa forma, pois perdeu a graça. Essa foi a provocação mais leve que já sofri, mas algumas eram bem cretinas como sujar minhas calças de corretivo e dizer que haviam ejaculado em mim (pois eu também não tinha lá muita roupa na época, daí tinha que ir com essa calça suja mesmo), destruírem patrimônios escolares e porem toda a culpa em mim, gritarem para a escola toda que eu estava menstruada, algumas meninas mais cruéis já tentaram até me bater, mas como meus pais já haviam me posto para fazer Tae-Kuon-Do, quem fez picadinho dessa fui eu.

O que mais me marcou foi o dia em que quiseram me arranjar um namorado ou “ficante” para eu me enquadrar no grupo delas _pois eu ainda era BV, ou boca virgem, enfim, não havia beijado_ Porém, tinha que ser um garoto gordinho, é claro! Até hoje lembro do comentário de uma das barangas: “Será uma bolinha beijando a outra...” Chamaram o menino na escola, e marcaram um dia na praça olímpica de Teresópolis para nos encontrarmos. Ele aceitou e eu fui porque o achei interessante. No dia, todas elas estavam lá gritando como em uma partida de futebol. Aquela situação me aborreceu muito. Tive vontade de ir embora. Mas elas me empurravam para beijar o garoto, gritavam no meu ouvido... estavam fazendo daquilo um circo! Ele também ficou nervoso e nós nos beijamos de má vontade. Uma pena! Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje, o teria beijado de língua. Bem estilo francês, mesmo! Teria saído de lá de mãos dadas com ele só para deixar aquelas mocréias perplexas. Depois esse mesmo rapaz cresceu e ficou lindo, um gato! Essas mesmas bruxinhas que fizeram troça de nós, passaram a dar em cima dele, mas o garoto não havia esquecido da palhaçada e esnobava todas elas.

Atualmente sou uma gordinha mais ou menos resolvida, no estilo Bridget Jones. Namoro um também gordinho que ainda está superando o trauma dos bullyngs que sofreu e que tem muitas outras questões a resolver em sua vida. Descobri também que adoro gordinhos inteligentes e que não preciso brigar com todos os idiotas que fazem piadas comigo ou com os de que gosto, porque essas pessoas são apenas criaturas frustradas com as suas vidas simplórias. Agora que sou professora, ensino a tolerância para meus alunos mostrando-lhes que não precisam fazer piadas com os outros para se sentirem melhores. Pego o jornal que relata a história do massacre de Columbine, nos E.U.A. e conto para eles como aquelas historinhas alemãs de ninar. Brincadeira! Não faço isso, não! Rs...