Sob os céus de Sorocaba, qualquer dia de 1956...

Maria Antônia Canavezi Scarpa

Chegamos em um dia claro em Sorocaba para o início de uma nova vida, novas esperanças, meus pais descendentes de imigrantes italianos e nascidos em uma cidade pequena do estado de São Paulo -Rafard, resolveram vislumbrar suas perspectivas. Sorocaba na linguagem Tupi-Guarani significa “Terra Rasgada”.

O início do seu povoamento deveu-se ao capitão Balthazar Fernandes, quando em 1654 instalou-se na região com sua família. O povoado tornou-se uma rota para os tropeiros, desenvolvendo-se assim rapidamente, seu ciclo econômico e histórico. Com o passar dos anos e o acréscimo do número de tropas, Sorocaba tornou-se sede das Feiras de Muares, onde se vendiam e trocavam animais ao mesmo tempo

Meus pais trouxeram na bagagem além dos sete filhos, algumas mudas de roupas, uma mesa de madeira com poucas cadeiras revestidas de sisal, cômodas antigas, uma estante de sala tipo cristaleira, camas e colchões rústicos recheados de palha do milho e um sobreposto a eles de penas de galinha, assim como os travesseiros (picavam a pele, quando o cabinho da pena saia para fora), cobertas de grandes retalhos e toalhas de banho feitas de sacos de farinha, alvejados, ficavam azuis bem clarinhas, em virtude do uso dos tabletes de anil, colocados em uma trouxinha de pano e dissolvidos na água; sabão feito de cinza, soda caústica e óleo.

Não posso me esquecer do velho rádio, para ouvir a programação da Hora do Brasil, ritual diário para os meus país, ou as modas de cururu que tanto o Fioravante amava, ele sempre pitando seu cigarro, enrolado com cuidado na palha milimetricamente cortada com um canivete, o mesmo que desfiava o fumo de corda (que ele vendia), ia esfarelando com os dedos já amarelados pelo hábito. Todos os dias a noitinha tomávamos sopa, com pão caseiro e vinho, polenta e bacalhau eram pratos constantes, sem falar no gostoso “totcho” , molho que se forma quando cozinha o frango em pedaços sempre pingando água. O tradicional “crostoli”, massinha crocante coberta com carne moída e molho aos domingos.

No quintal, papai fez um fogão a lenha, os costumes aos poucos foram mudando da roça para cidade grande, embora tenha o grande terreno ficado com ares rurais, com seus canteiros de verduras, cerquinhas de taquara separando as plantações, e muitas ervas para todos os males, havia também chiqueiro para engorda de porcos, que se alimentavam de sobras de comida, doadas pelos vizinhos, quando meu pai matava os porcos dava a cada um deles um pedaço de carne, o restante fazíamos lingüiça, o “figadei” feito de fígado e miúdos do porco, couro e cheiro verde picadinho, do mesmo jeito que se faz a lingüiça, couro para torresmo e gordura derretida para cozinhar o mais gostoso arroz do mundo, feito pela Dona Amália, minha adorável mãe.

A profissão do meu pai era diversificada, o fechado Fioravante, fazia pequenos biscates, porque passou a vida toda, arando a terra para plantio de milho, café e cana-de-açúcar. Em nossa grande casa tínhamos um cômodo só de suprimentos, que da lida anterior vieram na carroceria do velho Chevrolet, dirigido por um primo que já estava trabalhando e morando em Sorocaba, pois meus pais não sabiam como seria o início desta empreitada.

Cidade hospitaleira, Sorocaba empregou meus irmãos mais velhos nas fábricas de tecido Santo Antônio e Fonseca, nesta época era muito conhecida por suas indústrias têxteis, que muito contribuíram para o seu desenvolvimento, gerando muitos empregos, sendo um dos principais parques do interior de São Paulo, propiciando assim, a vinda de muitos familiares meus, originários da região de Tietê, e nesta terra em expansão instalando-se aos poucos.

Os outros irmãos em Casas de Costura e na antiga fábrica de massas Campanini. A bicicleta tornou -se o meio mais fácil e barato para a locomoção. Para eles eu levava marmita, na hora do almoço e jantar, pois trabalhavam em turnos diferentes.

O primeiro prédio de andares que eu me lembre, era o da Farmácia Drogasil e a torre mais alta da cidade pertencia a Igreja Catedral, com seu relógio central; meu pai comprou um binóculo usado, para poder enxergar as horas de onde nós morávamos, lá na Vila Carvalho.

A minha casa não tinha muro a rua era de terra barrenta (piçarra) e na frente muitas cabritas pastando em um terreno repleto de urtigas; diariamente saíamos em busca de estrume de cavalo e vaca que viviam livremente pelas ruas, para servir de esterco na horta que minha mãe cultivava suas verduras fresquinhas, ali brotavam as hortaliças que meus irmãos e eu vendíamos nas ruas com cestas ou em um carrinho de mão.

Com muita sorte, fiz o primário no Colégio Santa Escolástica, nesta instituição com apoio das Irmãs, aprendi a moldar o meu capricho na escrita, o zelo e a ordem pelas coisas que nos rodeiam. Sem falar na extinta escola Fernando Prestes atualmente Escola Técnica Estadual “Fernando Prestes”, onde cursei o Ginásio e aprendi em período integral um pouco de tudo : artes domésticas, corte e costura, bordado e artes industriais. Depois com a mudança dos ciclos, fui para o primeiro ginásio público de Sorocaba - “Dr. Julio Prestes de Albuquerque”, o inesquecível Estadão. Encerrei meus estudos na “Faculdade de Filosofia Ciências e Letras” , licenciando-me em Artes Industriais.

Hoje, após 54 anos sob os céus límpidos desta terra abençoada, cidade industrialmente bem resolvida, é que escrevo de forma simples, minha gratidão pela sua acolhida e por tudo que proporcionou à minha família, a vida feliz que temos, e o orgulho de sermos sorocabanos de alma e coração.

Crônica publicada no Livro “Um olhar sobre Sorocaba”- 2010 - Editora: Ottoni Editora

Tília Cheirosa
Enviado por Tília Cheirosa em 18/10/2010
Código do texto: T2562649
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.