Valentia

O lugar era uma mata rasteira, árvores poucas, meio torcidas: vegetação de cerrado. O riacho fazia a música do lugar, água fria, cristalina que corria em destino a outro bem maior.

- A água tá fria?

- Tá uma gostosura. Lavou até por dentro.

- Por dentro não lavou foi nada. Nem bebeu um gole, e ‘inda que tomasse não lavava, bicho ruim.

Bastião Neném não ouviu bem o comentário da amiga. Estava enxugando o couro grosso e pelejando com uma garrafa de cachaça. Couro grosso sim, aquilo não poderia ser chamado de pele.

Rita já havia tirado toda a roupa, e seu corpo brejeiro foi alvo de elogio do velho companheiro. Fazia seis anos estavam juntos.

- Só meu. Isso tudo é só meu.

- Dá um beijo.

- Mulher gosta dum beijo. Não reclama do cheiro. Dei uma talagada grande.

- Depois tomo meu jenipapo também. E fazemos alguma coisa...

- Agora não, a barriga tá roncando.

Iam batizar o menino Januário, sobrinho deles, filho de uma irmã de Rita. Mais dois dias de tropel, estariam dormindo em redes velhas, mas coisa de primeira: nem um pouco esgarçadas, limpas e perfumadas de ervas.

Bastião Neném ouviu barulho na mata. Não era coiteiro nem metido em bandos. O que passou, passou. Correu para um emaranhado de mato, escondeu-se e no maior silêncio engatilhou sua velha, mas bem cuidada parabelum, antiga ferramenta de trabalho.

Experimentado, sabia que Rita estava sendo vista, tomando banho nua e desejada por quem estava vendo. Dois homens, camisas do exército, lugar onde eles nunca deveriam ter andado. Imprudentes, viram dois cavalos e partiam para o ataque.

- Boas tardes, moça. Não vai sair desta água não?

A última coisa que ela poderia fazer, fez. Distanciou-se do lugar, saiu de perto da margem.

Quem é burro deve pedir a Deus que o mate e ao diabo que o carregue, falam.

Um deles caiu n’água, a procura do prazer forçado. De cuecas, só. Quando estava próximo levou uma pedrada na testa. A astuciosa Rita pegou no fundo do rio. Pedra grande, atirada com precisão. Pegou na testa, tingiu o rio de sangue, o corpo foi água abaixo.

O outro, que tudo assistia, levou um tiro na nuca, e foi fazer companhia ao amigo desavisado.

Histórias do lugar, coisas do sertão.

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 18/10/2010
Reeditado em 19/10/2010
Código do texto: T2563481
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