A visita

Disfarçada de enfermeira ela foi ao hospital visitar seu amor, aplicou-lhe uma dose de amor antídoto e depois conversou com a mulher dele. O doente reagiu à enfermidade com os cuidados da falsa enfermeira, pois, gosta de mulher de branco. E aquela era uma pessoa especial, sempre esteve ao seu lado nos momentos mais difíceis. Já havia comprovado antes o ilimitado poder do amor que supera as convenções sociais, alheio aos interesses dos homens, mesmo escondido no disfarce, ele continua atuante e operando milagres. Aquele enfermo ama duas mulheres com a mesma intensidade.

De quem é a culpa quando um homem ama duas mulheres? Do desejo, da frustração, da carência, do pai, da mãe, da filha da mãe? O filho da mãe é, e talvez sempre será, escravo dos sentimentos e da paixão. Sempre foi invigilante, perecível, mutável, sempre se enredou em teias frágeis, onde a vida lhe impõe a convicção de que detém a vontade maior e dita as regras do jogo. Desculpa frágil de quem não conhece o amor eterno, diz a moral do onça. São pessoas que confundem tesão com sentimento e amor, diz a moral do charuto. Eterno amor e amor fraterno ao próximo, dilema dos sentimentos, tu serve para aquilo e tu para isso. Não há solução, no quadro acima (o da visita) somos seus personagens, ora o enfermo, ora a mulher do enfermo, ora a enfermeira, ora o marido da enfermeira ou talvez não sejamos nenhum deles, mas a própria enfermidade disfarçada.

Do quadro e do que foi dito até aqui, o que sobra? Uma união feliz tendo por fundamento a fidelidade, apesar de todos os disfarces, ou então, não amar ninguém. Mas quem vive ama e quem ama expõem-se a riscos. Os perigos são inúmeros: de ser rejeitado, de não ser correspondido, de amar demais e transformar o amor em apego e dependência, de não suportar a química do amor e surtar. Por outro lado, uma união feliz tendo por base a fidelidade exige outros ingredientes, ou seja, não basta um sentimento para sustentá-la. Uma união estável não ocorre sem confiança diz a ética da batina. E o que é confiança neste caso? Controle dos desejos, controle do tesão, administração do olhar, do comportamento, do que se diz, saber com quem se anda, onde se vai, não visitar hospitais disfarçado de enfermeiro, mas, antes de tudo, é importante ter atitude de cooperação e solicitude. Enfim, o amor é coisa para super-homens, nos dois contextos apresentados acima.

Não se desespere leitor, ainda resta uma alternativa, a ética do convento, a transcendência ascética do monge que se mutila junto com seus desejos. Superar a ilusão da relação e ser auto-suficiente. Amar a formiguinha, tomar menos banho, andar mais limpo por dentro do que por fora. As moscas adoram esta faceta do homem que se controla, a pequena agricultura prospera e o pé de alface agradece. Quem sabe, uma enorme construção de pedra, com uma janela aberta para o luar, um pequeno quarto, uma cama vazia e uma vida de poesia não seja a solução. Maturação biológica, onde desejos se transformam em consciência. É esta consciência ampliada que se transmuta e modifica a bagagem genética. O homem aos poucos evolui mas não se livra dos disfarces.

A enfermeira disfarçada, vestida de branco, alva, voltou para o convento rezando pelo pronto restabelecimento do seu irmão.

Sérgio Peixoto Mendes
Enviado por Sérgio Peixoto Mendes em 06/10/2006
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