São os cães que decidem

Da sacada do apartamento observava um par de cães levando uma senhora idosa para passear. Sim, eram os cães que definiam que rumo tomar. Neste caso, cada um puxava a anciã para um lado, um para esquerda, outro para a direita esticando a guia com toda sua potência de cão. Eram poodles de tamanho médio mas a união de suas forças eram demais para a velha senhora. Inclinada para frente, com os braços abertos e olhos arregalados, parecia que ia desabar da cruz. Que passeio insólito e desenfreado, como parar as duas criaturinhas saltitantes? Um poste aqui, uma árvore ali e os cães seguiam semeando, marcando território, retirando a cal das árvores no conhecido malabarismo das três patas.

Certo dia ouvi uma piada sobre um cão de três patas que foi fazer xixi e capotou. Numa outra me disseram que o cão que não levanta uma das patas traseiras para fazer seu pipi é um cão gay. Sabe, aquele cãozinho que encosta o seu traseiro no chão para urinar, pois é, é dele mesmo que estou a falar. Coitado do bichinho, só porque não gosta de lavar postes, grades de condomínios e árvores, está comprometendo sua sexualidade aos olhos dos observadores machistas estudiosos do comportamento dos cães. Creio não haver nenhuma fundamentação científica para taxar o animalzinho de gay, mas no mínimo serve de motivo para gozação, principalmente, se você estiver passeando com seu cão num parque, num sábado à tarde com clima agradável, onde, com certeza, muitos cães estão a passear.

A senhora idosa a reboque de seus belos poodles com certeza não estava preocupada com a sexualidade dos seus cães. Sua preocupação maior era a de se manter de pé. Seus passos lentos, quadril já enrijecidos pelo tempo, era um contraponto a ansiedade dos bichos. No puxa daqui no puxa de lá, seguia o trio trôpego rumo a lugar nenhum. Eu, na sacada, torcia para que o trio não encontrasse no seu caminho um declive muito forte, pois, neste caso, o tombo seria inevitável. E aqui vão dois conselhos de um observador de sacada: primeiro, pessoas idosas devem passear com seus cães sempre de morro acima. Onde, contrariando o dito popular, para cima todo cão ansioso ajuda. Segundo, um profissional (sim já virou profissão) para passear com os cães também não pode ser descartado. Afinal, o passeio diário com os bichos objetiva minimizar sua ansiedade e lembrar aos cães que existe um mundo fora dos seus apartamentos.

E você que leu até aqui esta crônica bizarra, reflita: quem e quantos são os cães de definem os rumos da sua vida? Você conhece algum homem-cão? Sabe onde eles estão? Qual é o tamanho da sua “guia”? É ela que define até onde podemos ir e no comando quase sempre encontramos um cachorro disfarçado de homem. Coitadinho dos bichinhos, desculpe não quis ofendê-los.

Sérgio Peixoto Mendes
Enviado por Sérgio Peixoto Mendes em 06/10/2006
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