PELO DIREITO DE SOFRER

No dia dezenove de julho, por volta das 19 h perdi o meu irmão mais novo, sou a caçula, portanto também era o meu melhor amigo. Ele já estava doente há algum tempo. Tudo bem, mas nunca esperamos a visita da Senhora Morte tão cedo.
 
Acho interessante como somos otimistas diante de situações como essa, e de doenças terminais que sabemos que não tem jeito, mas nos “pegamos” com o nosso Santo de devoção e achamos que vai acontecer um milagre. Já diante da vida, nem sempre temos forças suficientes para erguermos a cabeça e lutarmos pelo que queremos e resolvermos os nossos problemas. Achamos que “tudo está dando errado, e só acontece com a gente”. Na maioria das vezes somos extremamente pessimistas diante da vida e otimistas da morte. Uma enorme incoerência, mas vai entender, nós seres humanos temos cada desejo...
 
Mas resolvi escrever para defender o direito de quem quer sofrer por qualquer motivo que seja: EM PAZ. Ninguém sabe muito o que falar nessas situações. Sempre digo: - Às vezes conversar em silêncio é a melhor saída. Esse é um dos momentos. Não digam nada, só a presença já diz tudo e um olhar basta. Nada de dizer: - A gente já esperava não é mesmo? Quem quer ouvir isso depois de perder um ente querido? Sabemos que somos mortais, aliás, é a única certeza que temos, qualquer um pode morrer a qualquer instante de qualquer coisa, então não me venha com “a gente já esperava”. Eu não esperava nada. Sou a caçula de seis, acha que espero ver todos os meus irmãos morrerem antes de mim? Era só o que faltava.  
 
Façam tudo que tenham que fazer, e o que quiserem fazer e tenham vontade, não deixem que ditem regras (estava ouvindo uma música que me lembrava ele e uma amiga chegou aqui em casa. Comentei que estava triste. Ela ficou horrorizada – Também não é assim né? – Está querendo se apropriar da minha dor?). Se despeçam da pessoa, chorem o tempo que for necessário, rezem, acendam velas, conversem com eles, vejam fotos, sofram o tempo que for preciso, vivam o luto pelo tempo for. A dor da perda não vai passar nunca, mas aos poucos a saudade vai tomando conta e vão ficando só as lembranças boas. Digo isso de cadeira. Já perdi duas mães, dois pais (juro que isso é possível) quatro avós, Três tios (família pequena, pelo menos do lado que conheço – Graças a Deus!), um marido, cinco amigos até os dezoito anos. De julho do ano passado a julho desse ano perdi nove amigos. Acreditem, sei do que estou falando. Não estou contanto mães de amigas, amigos dos meus pais, vizinhos, conhecidos, colegas de trabalho, pessoas que eu considerava bastante. Bem é isso.
 
Gostaria de dizer também das outras perdas, das separações, das mudanças de cidade que exigem adaptações que nem sempre são fáceis. Dos amigos que se separam e não sabemos como lidar (quem continua amigo de quem), dos términos de namoros, noivados e por incrível que pareça até a falta daquela babá que o nosso filho ama e ela resolve se casar, mudar, enfim, nos abandonar... Só podemos aprender a lidar com a dor se a vivenciarmos, senão ela pode virar um problema sério, mais do que possamos imaginar. Então vamos sofrer enquanto é tempo, antes que a gente fique doente por não termos tempo nem para sofrer.


Solange P. Mota

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