Sempre que me vejo sozinha, gosto de penetrar bem fundo no passado, viajar por entre lembranças queridas, e deixar tudo acontecer. São doces memórias de uma infancia rica de poesia. Tive tanto, que hoje me pergunto como foi possível se viver tanta coisa em uma vida apenas. Acho que precisaria de várias vidas, de vários livros, para viver e escrever tudo.
           Vejo-me pequena, elétrica, astuciosa, enfim um belo problema familiar. Encantava-me com tudo. Tudo me despertava a veia poética. No meio de tudo isso, uma lembrança aflora.
          Ficava confinado dentro de um vidro enorme e transparente, exatamente para enlouquecer os passantes gulosos. Na minha cabeça, o tamanho do vidro era descomunal. A transparencia, também. E, sempre que passa no Armazem 36, ficava a desejar lamber por sobre o vidro, o tal objeto. E, salivava, tamanho era o apetite. Era transparente também o objeto de meu desejo. Lembrava uma enorme gota d'àgua, ou um floco de neve ou de núvem. Para mim, perfeito para um sonho. E, meu sonho rodeava um cordão branco. Por vezes, lembravam filas de bolas de neve amarradas uma á outra. Lembro que eram tiradas do vidro pelo cordão. E, lá vinha o açucar pescado do vidro. Meus olhos acompanhavam todo o processo, nada se perdia. Eu estava estática, muda e encantada. Mal segurava o desejo de lamber o açucar até ficar só o cordão. Eu me empanturrava de açúcar cande. Até o nome era poesia. AÇÚCAR CANDE. Ou seria açúcar cândido? Disso não sei, e pouco importa. Só sei que de tão doce, de tão transparente, de tão poético, guardei no meu coração a doçura do açucar cande. Vai ver que é por isso que sou tão melosa...