Mulher, opressão, sonho e esperança.

No passado pré-histórico a figura feminina não tinha importância nas sociedades. Em função da sua inexplicável habilidade de procriar, as mulheres eram elevadas à categoria de divindades.Os vestígios encontrados no paleolítico atestam que o feminino ocupava um lugar destacado e os exemplos observados são as estatuetas femininas, pinturas e objetos que cultuavam a mulher como um ser sagrado e a divisão do trabalho era corrente: ao homem cabia a caça e a pesca, e à mulher a coleta de frutos, evoluindo posteriormente para a cultura da terra.

No Antigo Egito, quando casadas, até podiam intervir na gestão do patrimônio familiar.

Em relação ao trabalho, a tecelagem era uma ocupação reservada a ela, sendo tarefa feminina o tosquiar das ovelhas e o tecer da lã, podendo também trabalhar na ceifa de trigo, no preparo da farinha e da massa do pão. No entanto, as mulheres mais pobres trabalharam em grandes obras de construção pública.

Na sociedade grega do Período Clássico, a mulher era desvalorizada em todos os aspectos, inclusive no tocante à beleza. Nem a maternidade escapava da desvalorização cotidiana, sendo as mulheres vistas apenas como receptoras da semente masculina. Segundo o pensador Aristóteles do séc. V A . C., cabia ao homem produzir o esperma, a causa eficiente da geração.

Em Atenas, uma jovem podia até se casar sem o dote, mas só em casos excepcionais, pois o dote representava o sinal que definia a distinção entre o casamento legítimo e o concubinato. O objetivo fundamental do casamento era a reprodução. Mesmo não sendo considerada cidadã, cabia à mulher a transmissão da cidadania aos filhos, que deveriam ser os “heróis e amantes, o orgulho e a raça de Atenas”... por isso elas deveriam gerar “os novos filhos de Atenas”, sem contar que deveriam, tal como Penélope à espera do seu Ulisses, ficar “tecendo longos bordados, sem sonho, vontade, nem defeito nem qualidade”. Estado e homem fortes ...e a mulher... ora, a mulher!

A situação só se fez complicar na Idade Média, momento em que a visão religiosa entendia a mulher como causa e objeto do pecado, pois a Igreja tinha como referência a idéia do pecado original, cometido por Eva. Afinal, o pobre e bem-intencionado Adão ouvira os incômodos apelos da sua costela. Os apelos da desobediência! Por essa razão, a mulher era considerada uma porta aberta para o demo. Só não eram consideradas assim quando eram virgens, mães, esposas, ou quando viviam no convento.

Dessa forma, a fraqueza associada à carne estava intrinsecamente ligada à figura feminina. E vários foram os filósofos que acreditavam nisso. As mulheres eram vistas como criaturas débeis e sempre expostas às tentações do diabo, e, por essa razão, deveriam estar sempre sobre o jugo masculino.

Nos tempos de Idade Média, o Tribunal Eclesiástico do Santo Ofício caçou os rituais pagãos que tinham a mulher como base da fertilidade e o corpo feminino como referência da vida. Contra esse movimento de “caça às bruxas”, a Igreja ordenou um massacre de aproximadamente três mil mulheres na Europa Ocidental em um único dia .

Na modernidade, a Europa renascentista tratou de dar à imagem feminina uma boa dosagem de beleza e suavidade, contrapondo à visão medieval, mas igualmente sem voz. A bela mulher da Renascença era a mostra, a vitrine das conquistas masculinas. Afinal, foi o homem o responsável pela busca das soluções para os problemas das crises do Velho Mundo. Foi o homem que conquistou novos territórios, o caminho marítimo para as Índias, a América, e levou riquezas para a sua região, promovendo a estabilidade e o fim da fome. A mulher, gordinha e de olhar lânguido, ingênuo e pacífico, era ao registro da triunfante vitória masculina.

No contemporâneo, por ocasião das duas guerras mundiais, elas não apareceram na historiografia com o seu devido valor, mas trabalharam duro no sustento das famílias em razão da falta do marido ou do pai que partiram para o front. Tomaram a frente da casa, do trabalho, dos inúmeros desafios, do medo, da insegurança... e perceberam que tinham competência, uma visão acurada para o enfrentamento da nova realidade, uma capacidade que nasceu a partir da dor, da necessidade de sempre ser a responsável pela manutenção da vida dos filhos e da sua própria. Passou a compreender que estar viva passa pela busca da identidade, do saber querer, do ter olhar próprio, carregado de sonho, beleza e força, muita força e, ao mesmo tempo, sensibilidade e paixão.

A história do trabalho rima com a história das mulheres ao longo dos séculos. Tempos de um esforço continuado, mas de uma luz que, forçosamente, tinha que estar apagada para nunca ameaçar o universo masculino. A história das lutas sociais em todo o mundo passa pela presença feminina do aprender a lidar com as frustrações, panelas meio vazias, crianças pedindo um pouco mais de comida, pressão nas portas da fábricas... e ela pensando, agindo, inventando, criando alternativas... com voz rouca e inaudível.

No Brasil, a mulher pobre sempre trabalhou muito e apanhou do pai e do marido. Foi escrava no passado colonial e a mulher branca da mesma época era apenas uma sombra do que se desejava que fosse o poder para sempre. Com o tempo passou a sofrer assédio do chefe inoportuno e sem ética, uma piadinha do motorista do ônibus, um constrangimento no trem ou mesmo no ônibus lotado após um dia exaustivo de trabalho. Sofreu e ainda sofre humilhações de toda sorte. Abusos, medos, afrontas. Nos cárceres, as mais ultrajadas. Nas ditaduras, as especialmente torturadas - feridas eternas no corpo e na alma como a mais sórdida herança do autoritarismo de governos especialmente moldados pelo e para os donos do poder, de um poder de voz grossa e amedrontadora, dizendo-se conhecedor de todas as verdades.

Existe a mulher da roça, a mulher operária, a tecelã, a faxineira, a cozinheira, a costureira, a modelo – tão odiada por homens que tentam fazer dela um tipo de beleza inexistente e neurotizada. Existe a mulher ainda desempregada e que cuida da família, tem a que cuida dos filhos dos outros e a que cuida dos velhos dos outros. Existe a professora, que ensina o encanto pela vida, a arte, o respeito e divide o conhecimento durante a maior parte do seu tempo. Mesmo com dores nas pernas, na garganta, com problemas familiares e financeiros insolúveis, mas ela está lá, acreditando no milagre da existência todos os dias!

Tem a mulher quituteira, a baiana do acarajé. Tem a artesã da Praça XV, da Praça da República e de outras praças interessantes, vibrantes e coloridas. Existe a merendeira da escola pública e que coloca a comida em pratos de plástico para os filhos de outras tantas operárias, comerciantes e de outras profissões.

Existe a mulher religiosa, que acredita na partilha da fé, na serenidade do espírito e na confiança na vida e o faz com o maior amor do mundo. Tem aquela que ajuda a nascer, que sorri e ajuda a cuidar do imenso jardim do Criador. Existe a mulher imigrante, cheia de sonhos e incertezas, que quase chega a abandonar as suas raízes e sempre à procura. Tem a rendeira da Lagoa da Conceição e de tantas outras lagoas.

Mas a história das mulheres sempre foi muito cruel em todos os cantos do planeta. No dicionário, a mulher é apenas e tão-somente “o ser humano do sexo feminino, capaz de conceber e parir outros seres humanos. O cônjuge do sexo feminino, a mulher em relação ao marido, esposa”. Calma que TEM MAIS: “Mulher à-toa = meretriz”. Outro sinônimo de meretriz: “mulher de comédia, mulher de rua, mulher da vida, mulher de zona”. Ah! Mestre Aurélio (p. 446), faça-me o favor... O sr. poderia ter se lembrado da mulher de honra, da mulher trabalhadora, da mulher sonhadora, de ética e das realizações. Poderia ter ao menos citado a agricultora, a artista, a mulher de teatro, a intelectual...

E tem a mulher que pôde estudar, acreditar e sonhar. Milhares delas se fizeram com um esforço desmedido, enfrentando os piores desafios! Quanta ousadia! Mas tem a que sonhou tanto que resolveu desafiar a ditadura comprometida com o grande capital, com os usineiros, com os banqueiros e com as multinacionais. Resolveu acreditar que o oxigênio deveria ser para todos. O sonho, a liberdade, a criatividade, o trabalho, a dignidade deveriam ser partilhados. No dia dos seus 20 anos essa moça foi especialmente barbarizada no cárcere, no físico e no emocional, para que nunca mais se esquecesse daquele dia. E não esqueceu mesmo! A dor, a humilhação e a constante sombra da morte provocaram o seu fortalecimento como uma mulher das grandes causas e deu mais cores à sua bandeira. Lutou, acreditou, mesmo sofrendo ofensas, risinhos, deboches, piadas e insinuações. Como eu quero que os teus algozes, malditos verdugos, que se regozijavam, gargalhavam ao ouvirem os teus gritos, a dor da tua solidão, o teu choro convulsivo, a tua tremedeira e o teu medo, estejam vivos, bem vivos, os vermes das suas consciências os corroendo lentamente e que vejam a FILHA DO PAÍS QUE NÃO FUGIU À LUTA assim:

DILMA PRESIDENTE DO BRASIL.

Vera Moratta. – 31 – 10 – 2010.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 31/10/2010
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