O asco

Tem aqui nas redondezas do bairro um rapaz que sempre passa por mim; encontro-o com certa freqüência durante minhas longas caminhadas saudáveis.

Este rapaz causa em mim uma impressão desconfortável, na realidade chego a ter repulsa por sua forma, acredito que em qualquer sociedade e geração seria ele qualificado como tendo uma “aparência grotesca”.

Já observei algumas mudanças físicas no sujeito, anteriormente esbarrei-o de cabelos cumpridos, o que de forma alguma caia-lhe bem, era antes, de um aspecto sombrio e medonho, foi deste período que os primeiros sintomas de asco dirigidos à um ser humano brotou no meu ser. Não obstante, o cabelo ensebado e mal – cuidado, usava brincos nas orelhas, de forma impensada, distantes dos mais primários padrões estéticos, seus olhos, assim como todo o rosto, eram sinistramente assimétricos, o esquerdo pendia em desalinho ao direito, era ainda de estatura baixa, pouco maior que um anão, talvez ele o fosse – sendo o paradoxo do “anão crescido”, seus passos claudicantes, ora curtos na canhota, ora de lado, meio para frente com a destra, em conjunto com as mãos pequenininhas e arqueadas, com dedos enrijecidos como mini garras, conferia-lhe com este quadro, um jeito de “ser onírico”, como gnomos que vivem entre cogumelos, sua visão a mim causava liberações das mais pecaminosas reações humanas ao esquisito, talvez fosse como Gregor Samsa de Kafka: o meio-termo, inseto-homem, uma fábula real.

Como por ocasião de ter-me iniciado na arte da meditação cristã, defrontei-me com a questão do amor, da aceitação do próximo como a um irmão; convenci-me de que precisava amar aquele demônio humano, esforcei-me na consciência de que éramos iguais perante a Divindade.

Fui diligente na busca da redenção, e numa noite quente em que me preparava para forte andança, percebo de longe um vulto curto e ziguezagueando, era o irmão! Estanquei os pés, com o olhar alucinado dos santos, parei diante dele e segurei – o nos ombros e dei-lhe o beijo libertador, encostei meus lábios nos seus e fui invadido pelo Santo Espírito que reinava no meu ser, manifestando a possibilidade de reconhecer a beleza de Jesus nos “intragáveis”, de transcender o asco que causam inicialmente pessoas “darwinianas”, vestígios de primatas antigos.

Livre do asco, do nojo, do mal-estar, senti-me mais humano, com um olhar profundo à alma das pessoas, buscando a luz que brilha e que é Cristo nelas... Agora, quando vou ao zoológico brinco até cansar com os chimpanzés.

Homem de preto
Enviado por Homem de preto em 02/11/2010
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