A suprema felicidade de Jabor

Acabei de chegar do cinema, onde fui assistir ao último filme de Arnaldo Jabor, “A suprema felicidade”, rodado cerca de 24 anos depois de “Eu sei que vou te amar”. Devo dizer que estava muito mobilizado para assistir este filme, primeiro porque gosto muito do estilo de Jabor de escrever crônicas (embora muitas vezes não concorde com suas idéias, mas acho seus argumentos e seu estilo fantásticos), além de ter como referência de seu trabalho como cineasta exatamente seu filme de 24 anos atrás, onde os personagens de Thales Pan Chacon e Fernanda Torres discutem a relação amorosa de forma formidável.

Mas as críticas que saíram sobre “A suprema felicidade” não foram nada boas. E confesso que titubeei em ir ao cinema porque sofri as influências destas críticas. Parece-me que foi uma unanimidade: Não li uma só crítica elogiosa ao filme, mas uma torrente de desqualificações à falta de continuidade do enredo, à apatia e ao desempenho pífio de grande parte do elenco, à suposta egolatria do diretor, que fez uma filme sobre suas memórias - mas esqueceu-se de que havia uma platéia para assisti-lo, pois o filme parece que foi feito dele para ele, nada é oferecido ao espectador, à monotonia e o excesso de projeção do filme, que com mais de duras horas de duração, parece ainda maior, tamanho a insipidez do que se desenrola na tela (muitos críticos inclusive fizeram menção de presenciarem, de modo constrangedor até, a saída de muitos espectadores ainda antes da primeira metade do filme – algo que também aconteceu na sessão em que eu estava). Tais críticos lamentam que a empreitada de Jabor tenha sido infeliz, depois de tanto tempo de ausência na direção de um filme, falam da grande expectativa que cercava a volta de Jabor ao cinema, e abrem apenas uma concessão ao filme: o desempenho estupendo de Marco Nannini.

Quero dizer que este texto não é mais uma crítica ao filme. Concordo até com muito do que os críticos disseram: De fato há passagens lamentáveis no filme, de fato a dramaturgia em muitas vezes esta abaixo do razoável, de fato o filme por vezes se arrasta. Mas não é disso que quero tratar. Quero aqui falar da emoção que o filme, no todo, me suscitou. Achei-o, a despeito das colocações que já fiz aqui, muito bonito. Ele trouxe, ou me impregnou de um saudosismo que tocou fundo em minha emoção. Não vivi as décadas retratadas no filme (40 e 50), não sou carioca e estive apenas duas vezes no Rio de Janeiro. Creio, ou melhor, sinto que apreendi a suprema felicidade que intitula a película. Não sei, mas acho que a tal felicidade ao qual o título de refere está nas reminiscências, na memória de um tempo que não volta mais: A infância, o olhar da criança sobre o mundo, nas descobertas, a convivência com os avós, nos amigos da escola, na adolescência: O primeiro beijo, as masturbações envoltas em uma aura de pecado e prazer, a primeira namorada.

Fui transportado, enquanto via o filme, às minhas memórias: Minhas brincadeiras de infância, a maneira como via meu pai: Lembro quando saía com ele e admirava como suas pernas eram grandes e como para mim era difícil acompanhar seu ritmo no caminhar. Eu sempre ficava para trás! Voltei a ser o Zorro, o Batman. Revivi a emoção de ser abraçado e beijado por minha mãe. As brigas com meus irmãos e o medo que mamãe contasse a papai nossas arengas, pois certamente ele iria nos bater. Saudades dos desenhos de Hanna Barbera: do Zé Colméia e do Catatau, do Urso do Cabelo Duro e do Manda Chuva. Puxa! Quanto saudosismo o filme de Jabor despertou em mim. Fez-me voltar aos domingos de minha infância, quando íamos todos a casa de meus avós maternos Seu Luiz e Donana, com seu quintal arborizado, cheio de pés de jambo. Eu adorava almoçar na casa de meus avós. Depois do almoço, sempre tinha uma sobremesa saborosa que vovó fazia. À tarde brincávamos com nossos primos, eu e meus irmãos, no quintal. Às vezes eu ficava junto de vôvô Luiz, o admirando: ele sempre lendo o jorrnal de domingo, ouvindo os jogos do Santa Cruz. Passava as mãos em sua cabeleira branca prateada. Puxa, vôvô, como eu te achava bonito!

O filme também me transportou para minha adolescência: Reencontrei minhas amadas platônicas da juventude, revi minha vizinha Alessandra, aquela onde eu dei meu primeiro beijo, em uma festa na casa de um amigo, que a gente chamava de “Assustado”. Voltei também às minhas primeiras experiências sexuais, a descoberta da masturbação.

Ao término do filme de Jabor, enquanto Marco Nannini dançava na tela, eu chorava tomado de emoção. Não é uma obra-prima cinematográfica. Mas é um filme belo. Belo e emotivo. E o título, “A suprema felicidade”, de fato lhe faz jus. Parabéns e obrigado Jabor!

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 06/11/2010
Reeditado em 06/11/2010
Código do texto: T2600094
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