E N I G M Á T I C O S



Êle está sempre por ali.Não se distancia muito da casa em que reside ,numa esquina de um bairro tranquilo e silencioso.No trajeto de minhas caminhadas,aos domingos à tarde,quando dou-me ao luxo de andar mais de 16 quilometros, Costumo tomar sempre o mesmo rumo,até porque residem no bucolismo do caminho algumas de minhas melhores lembranças,então,passo à passo aproveito para sorver na memória ,a leveza de um tempo que ficou para trás.
Aquela figura enigmática insurge-se como parte do cenário do pequeno vale onde destaca-se uma quadra de esportes ladeada de algumas casas antigas,sempre fechadas e um sobrado relegado ao abandono depois do brutal assassinato de um jovem casal,donos da propriedade.
Em algumas ocasiões lhe flagrei a espiar a quadra vazia.As mãos apoiadas na tela de proteção,um olhar fixo num ponto qualquer,alheio às tardes que morriam na pasmaceira do vilarejo deserto de gente.Em outras,recostado ao muro da sua casa,tinha o olhar direcionado à imagem desoladora do sobrado por onde as pichações e os vidros quebrados dão agora o tom ao que fora no passado um lugar festivo e bem freqüentado.A estrada , calçada de pedras irregulares , que circunda a quadra esportiva,antes repleta de carros estacionados,entrega-se hoje ao abandono das sempre-vivas e o pontilhão que abria caminho às portas do estabelecimento ruiu com as enchentes ,dando lugar à uma ponte moderna num outro ponto do caminho.Do pequeno riacho corre agora um fiozinho d água entre os aguapés e, quando o dia esmaece , os sapos oferecem um coaxar melancólico como forma de solidariedade ao introspectivo senhor do vale.
Que estranhas lembranças ruminam em seus pensamentos? E esse olhar entristecido a reconstruir cenários na solidão das tardes? Saudades do jovem casal? Da alegria que morava no sobrado?Da antiga estação de trens no topo da ladeira,com idas e vindas,apitos e novidades?
Isso sómente à ele pertence.Mistérios da alma deste ser “Enigmático”.
O casario de algumas famílias abastadas mergulha na quietude do fim do dia.Portões entre abertos, jardins bem cuidados,casas silenciosas...Ninguém pelas ruas.Respira-se uma paz carregada de nostalgia.Uma nostalgia que tem cores e cheiros.Cores dos últimos raios de sol trespassando a torre da capelinha.O cheiro refrescante das acácias exauridas do calor da estação
Contorno a fileira de palmeiras ao redor da escola e de repente estou sobre o viaduto.Sempre que me deparo neste local, instintivamente, costumo fazer uma parada rápida.À minha direita as sobras do dia que varam as torres da igreja encolhem-se entre as colinas ,e o verde vai tomando um tom escurecido . À esquerda as paralelas da linha férrea desenham uma curva acentuada que se esvai entre as arueiras.Alguns automóveis percorrem ao longo de uma rodovia distante de meu campo de visão.Galinhas de Angola cantam em algum quintal pelas redondezas.De resto,tudo é silêncio.
Com os braços apoiados ao parapeito da ponte entrego-me à lassidão da tarde.Daquilo que penso,só mesmo eu é quem sabe.Num breve instante percebo-me tão enigmático quanto o velho senhor que deixei pra trás.
Dois enigmáticos no enigma do fim do dia.