ANIVERSÁRIO DE MINHA AMIGA TERESA

Ontem, 9 de novembro, foi aniversário da minha amiga Teresa e ela, como em todos os anos, decidiu comemorá-lo em um restaurante do qual eu apenas sabia o nome, que mais não precisava, já que iria até lá de carona ( e de lá também assim voltaria) no carro de outra amiga, a Lúcia.

Porque me tornei há muito e por força de múltiplas circunstâncias um animal doméstico e domesticado - se fosse apenas doméstico, como os gatos, poderia ter a liberdade dos telhados, mas, nem isso - animal domesticado que, para além das saídas obrigatórias a banco, a supermercado, a médico, apenas participa ocasionalmente deste ou daquele evento, como o aniversário de uma amiga, por exemplo e, quando não de táxi, de carona, como dizia, tal animal doméstico e domesticado, em boa parte do tempo em sua clausura não consegue fugir ao passado ( de presente, para além da mãe dele, da mãe, afinal o único ser efetivamente real do animal doméstico e domesticado, há muito pouco, quase nada mesmo) e, por isso, todos os dias vê repassar na memória o filme da própria vida, filme alienar e à semelhança de teatro do absurdo no qual tudo é símbolos, como também o diz Fernando Pessoa, filme no qual um homem, tu, homem, ser do fado e do destino, ser protagonista dos mais fundos e indizíveis desatinos meus e teus e de outrem, ser-presença implícita e obrigatória nas cartas que o animal domesticado dirige a quem quer que seja e de quem o animal doméstico e domesticado só vislumbra a possibilidade de uma qualquer e provisória anestesia no durante da participação nesses eventos extras, como o aniversário de uma amiga quando ele, o animal doméstico e domesticado, pode ouvir outras músicas, outras falas e outros silêncios para fora e para além do seu passado, e viver outros reencontros sem sombras de manchas nem de dor.

Lúcia, minha amiga caroneira, chega. Entro no carro, coloco o cinto de segurança e lá vamos nós. A partir de certo momento do trajeto começa a me percorrer certo desassossego, sensação que vai aumentando... aumentando... até atingir o ápice no momento em que estacionamos em frente ao restaurante onde Teresa, a aniversariante, nos aguarda, cercada já dos outros amigos.

O nome da rua onde estacionamos? O NOME DA RUA ONDE MORAS, HOMEM DA MINHA ETERNA SAUDADE, HOMEM DESTA ETERNA PRESENÇA E DA PRESENÇA DESTA INESQUECÍVEL, IRREVERSÍVEL E IRREMEDIÁVEL DOR.

Zuleika dos Reis, na manhã de 10 de novembro de 2010.